Título: Amordaçar o Ministério Público?
Autor: Santos, Astério Pereira dos
Fonte: O Globo, 17/05/2008, Opinião, p. 7

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por maioria, no último dia 7 de maio, o projeto de lei do deputado Paulo Maluf (PP-SP), que pretende responsabilizar os membros do Ministério Público que ajuízem ação civil pública, popular e de improbidade. Conhecida como "Lei da Mordaça", a proposta altera a redação da legislação vigente para inserir sanções aos integrantes do MP. Estes seriam punidos com pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais e honorários periciais e advocatícios, além da possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade.

O Ministério Público atua dentro de estritos limites estabelecidos por normas que regulam a sua atuação. Além disso, seus integrantes são fiscalizados pelo Conselho Nacional do Ministério Público e por intermédio de suas corregedorias. Mas, assim como os demais cidadãos, os promotores e procuradores também estão sujeitos às mesmas leis de retidão da vida pública, podendo também ser alvos de ações civis públicas ou sanções por atuação abusiva na condução de qualquer demanda, cabendo ao Poder Judiciário delinear a correção dos atos, quando devidamente provocado.

Em vez do aperfeiçoamento legislativo ou de garantia das "autoridades injustamente perseguidas", o que o autor e os aderentes do projeto de lei pretendem é a intimidação dos membros do MP. Estes ficariam amordaçados quando se tratasse de crimes do colarinho branco e da macrocriminalidade. Fique claro: não questionamos o fato de que o Ministério Público deva estar submetido ao controle da sociedade. O que é temerário é que se pretenda engessar a instituição para que, sob a bandeira da "investigação injustificada", prevaleçam o conforto da impunidade e o manto da imunidade.

Ao contrário do que afirma a justificação do projeto, o Ministério Público tem se consagrado como instrumento de combate à criminalidade e de defesa do patrimônio público e de valores fundamentais da sociedade brasileira. Sua atuação tem sido diferenciada em casos recentes, nos quais o coronelismo, os comandos criminosos e o poder econômico são enfrentados com tenacidade e boa técnica.

Tão específica e direcionada é a "Lei da Mordaça" que, curiosamente, não cuida de proteger os cidadãos que são investigados pelos próprios parlamentares nas mais variadas CPIs, cujos objeto, alcance e poderes parecem ultrapassar qualquer esfera de exposição imaginável em uma demanda judicial.

Somente um livre Ministério Público pode desempenhar o papel que a própria sociedade brasileira lhe destinou: a tutela do interesse público-social, a fiscalização das instâncias públicas e o combate a todas as formas de criminalidade, e não só a praticada pelas camadas populares. Em certos momentos históricos, calar (e fazer calar) é crime! Não é por outro motivo que o Ministério Público clama neste momento para que os cidadãos de bem levantem em coro suas vozes contra o ato de intimidação que se apresenta sob a forma de mordaça.

ASTÉRIO PEREIRA DOS SANTOS é procurador de Justiça do MP-RJ.