Título: Projeto de lei não cria marco regulatório
Autor: Annenberg, Alexandre
Fonte: O Globo, 15/05/2008, Opinião, p. 7

A grande celeuma causada pela discussão do projeto de lei 29 na Câmara dos Deputados tem sua razão de ser. Esse projeto, que sem dúvida apresenta algumas abordagens positivas (poucas), tem inúmeros aspectos extremamente negativos e preocupantes. O PL 29 pretendia ser a síntese de vários outros projetos que transitavam no Congresso com o objetivo de definir novos marcos regulatórios para a revolução provocada pela Convergência. Tais projetos apresentavam cenários e soluções até mesmo antagônicos e, por isso mesmo, seria indispensável um difícil trabalho de harmonização das várias propostas. Mas, lamentavelmente, o PL 29 ficou muito aquém das expectativas.

Como dizia Lewis Carroll, matemático e escritor inglês, "quando não se sabe aonde se quer chegar, qualquer caminho serve". O PL 29, ao colocar o carro na frente dos bois, parece ter se perdido exatamente aí: na busca de um caminho que proponha um novo modelo. O tema do projeto que provoca maior polêmica é o da imposição de cotas de conteúdo nacional nas grades da TV paga. Para começo de conversa, é preciso ficar claro que não há ninguém no setor de TV por assinatura que seja contrário ao incremento de conteúdo nacional nas suas grades. A maioria das operadoras de TV a cabo já investiu e construiu seus próprios canais locais.

O que se discute, isto sim, é a imposição de um instrumento tão retrógrado e ineficaz como o de cotas. Ao insistir que essa proposta elevaria dramaticamente os índices de penetração da TV por assinatura, o autor desse substitutivo faz ainda comparações com países vizinhos. Segundo ele, a penetração da TV paga na Argentina é seis vezes maior que a do Brasil. As estatísticas não mentem, é verdade, mas servem para distorcer a verdade. Na Argentina, como em tantos outros países, a televisão aberta não tem nem de longe a qualidade da brasileira, como também não oferece aos telespectadores jogos de futebol, corridas de Fórmula-1 e inúmeras outras atrações que estão disponíveis, gratuitamente, para qualquer telespectador brasileiro. O acesso a esses conteúdos na Argentina só pode ser feito por meio da TV paga. Situações tão díspares não permitem comparações tão tendenciosas.

Existem soluções mais eficientes e positivas para se fortalecer a indústria nacional do audiovisual. Essa indústria é baseada em um modelo em que sua remuneração vem de uma complexa cadeia de janelas de exibição que começa nos cinemas, depois entra na venda de DVDs, passa às locadoras, chega ao pay-per-view, em seguida é exibido na TV paga e, finalmente, vai para a TV aberta.

Uma alavanca muito mais eficaz para transpor essa barreira poderia ser, por exemplo, a constituição de fundos destinados não apenas à produção, mas também à própria distribuição de conteúdos audiovisuais. A TV por assinatura vem há anos contribuindo para um Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que já arrecadou mais de R$6 bilhões e dos quais nem um único centavo foi empregado até hoje. O redirecionamento dessa contribuição para um fundo destinado especificamente ao fomento e ao incentivo à produção e à distribuição de conteúdo nacional significaria uma contribuição anual, se considerarmos somente o setor de TV paga, de mais de R$60 milhões.

Na verdade, uma tarefa dessa envergadura dificilmente pode ser levada a cabo sem que previamente se tenha formulado o modelo para telecomunicações que se pretende estabelecer para os próximos anos. Lá atrás, em 1996/1997, houve um profundo trabalho de discussão de conceitos que foi determinante para a elaboração de uma Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Foram essas discussões que estabeleceram um modelo baseado em alguns princípios fundamentais, como a privatização, a universalização, a competição.

ALEXANDRE ANNENBERG é presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura.