Título: Querem os nossos royalties
Autor: Crivella, Marcelo
Fonte: O Globo, 09/05/2008, Opinião, p. 7

Sob o especial interesse do senador Aloizio Mercadante (PT), pelo Estado de São Paulo, a Comissão de Economia do Senado Federal (CAE) criou uma subcomissão temporária para debater a repartição dos royalties dos hidrocarbonetos, em razão da descoberta dos novos campos petrolíferos no nosso litoral. O assunto voltou à tona em fala do governador do Piauí, Wellington Dias, durante encontro de líderes empresariais em Comandatuba (BA), evento do qual participei com diversos ministros, governadores e outros parlamentares.

Como senador pelo Estado do Rio de Janeiro, gostaria de poder poupar nosso nobre e generoso povo, em sua maioria pobre, humilde e ordeiro, das inconseqüências dessa batalha política sem ideal, sem nobreza e sem grandeza, que nos remete a uma dessas republiquetas, onde as regras do Direito são a todo momento violadas: a legislação muda de acordo com as circunstâncias, e as circunstâncias obedecem ao capricho dos interesses econômicos.

Os royalties são parte integrante do arranjo federativo. Tratá-los de forma isolada é um erro político imensurável. O pacto federativo precisa ser discutido de forma ampla: os mecanismos, os instrumentos, as instituições e o modelo de federação de que necessitamos; o grau de autonomia, as formas de subsidiariedade, a repartição de recursos versus encargos; fixação de competências exclusivas, privativas e concorrentes. Enfim, como reconstruir o pacto federativo no nosso país sem se ater apenas ao federalismo fiscal.

Nossa Federação foi criada no advento da República, como expressão do anseio de autonomia das províncias brasileiras, permitindo que se diferenciassem as condições da vida política regional e as peculiaridades do caráter brasileiro de acordo com a variedade de seus processos históricos e realidades geográficas.

O poder, como qualquer outro valor social, é tanto mais forte quanto mais for compartilhado. Nisso não há diferenças: confederados e farrapos, praieiros e luzias, todos os nossos rebeldes levantaram alto a bandeira da Federação que a Constituinte de 1891 finalmente estabeleceu. Hoje, grande parte dos municípios não tem recursos próprios sequer para manter seus funcionários. Sobrevivem de "pires na mão", pedindo dinheiro aos governos estaduais e federal.

Por essas e outras razões é que vemos agora mais uma tentativa de se tirar recursos que pertencem ao nosso estado, numa flagrante situação de conflito federativo. Já não basta tudo que perdemos com a mudança da capital federal, ficando o Rio de Janeiro com todos os tipos de problemas sociais resultantes, historicamente, de um enorme desarranjo político?

O decreto nº 2.705/981 diz claramente que os royalties "constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo e gás natural", por se tratar de bens esgotáveis.

Alterar essas regras é um desrespeito ao marco regulatório do setor e uma ofensa aos entes produtores, já duramente punidos com a tributação do ICMS, dos hidrocarbonetos, no destino. O instituto da compensação ou dos royalties é um direito assegurado na Constituição federal. É cláusula pétrea do espírito da Federação brasileira.

MARCELO CRIVELLA é senador (PR-RJ).