Título: Lula: soberania do território é do Estado brasileiro
Autor: Carvalho, Jailton de; Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 12/04/2008, O País, p. 12

Presidente diz não haver "nação indígena", descartando temor manifestado por comandante militar da Amazônia.

BRASÍLIA e HAIA (Holanda). O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, reagiu ontem às declarações do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, contra a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas. O general, um dos mais influentes das Forças Armadas, disse que a demarcação em terras contínuas e determinados direitos concedidos aos índios põem em risco a integridade do território e a segurança nacional. Para Meira, o general está equivocado.

O presidente da Funai sustenta que, diferentemente do que diz o general, a reserva exclusiva para o usufruto dos índios é que dará segurança e integridade ao território brasileiro.

- A Constituição diz que as terras indígenas são da União. E, como terras da União, as Forças Armadas não só podem como devem estar dentro das reservas para defender a soberania nacional - disse Meira, após reunião com um grupo de índios de Raposa Serra do Sol no Ministério da Justiça.

Em entrevista ontem na Holanda, o presidente Lula rejeitou a idéia de haver nações indígenas em território nacional:

- Nós queremos resolver os problemas dos índios, resolver o problema de Roraima e resolver o problema de terra, no Brasil, pacificamente. Não. Não tem nação indígena. Dentro do território nacional nós iremos demarcar as terras indígenas, iremos cuidar, mas a soberania do território é do Estado brasileiro.

Meira argumenta ainda que em todas as terras indígenas na faixa de fronteira já existem bases militares. Ele cita as reservas do Alto Rio Negro, Ianomamis, Parque do Tucumaque e até a própria Serra do Sol. O Exército mantém um pelotão em Uiramutã, uma vila dentro da reserva. Para Meira, índios e militares têm convivido de forma pacífica e cooperativa nestas áreas e, certamente, diz ele, não seria diferente em Raposa Serra do Sol, mesmo com a homologação em terras contínuas.

Opinião de general tem apoio nas Forças Armadas

Numa entrevista ao GLOBO na quinta-feira, o general Augusto Heleno se manifestou contra homologação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas. Para o general, a entrega de um vasto território aos índios numa região rica e alvo de freqüentes disputas enfraquece a segurança nacional. Augusto Heleno disse que estava manifestando uma opinião pessoal. Mas as declarações dele expressam o pensamento predominante não só no Exército, mas em todas as Forças Armadas.

Para importantes militares, as reservas indígenas na fronteira podem servir de pretexto para que, no futuro, potências estrangeiras insuflem a criação de nações indígenas independentes do Brasil. Essa seria uma forma de minar o poder do país sobre as riquezas minerais e sobre a biodiversidade da região. A queixa é antiga, mas cresceu desde o ano passado, quando o governo brasileiro endossou a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, elaborada pela ONU. Os militares afirmam que a Declaração concede autonomia política aos índios. Dizem ainda que alguns grupos indígenas já estão sendo tratados como nações indígenas. A combinação de amplos direitos políticos com a difusão de conceitos também relacionados à autonomia administrativa seria o arcabouço ideológico para justificar uma eventual declaração de independência de determinados povos indígenas.

Passarinho: na fronteira Ianomami não havia atividade

Os militares entendem ainda que vastas áreas despovoadas poderiam facilitar a invasão por moradores de outros países.

- O Heleno está absolutamente certo. É completamente diferente da reserva Ianomami, cuja demarcação eu ajudei a fazer porque era fronteira morta. Não havia atividade econômica. Serra do Sol não. Existem fazendas lá de 200 anos. E ela está numa fronteira viva com a Guiana Inglesa - afirmou o ex-ministro da Justiça Jarbas Passarinho.

O vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott, disse que a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas não se sobrepõe à legislação nacional. O Cimi é uma das organizações mais ativas na campanha pela demarcação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas.

- Os povos indígenas têm direito de viver conforme sua própria cultura, falar sua própria língua, ter sua própria organização, mas dentro de um território que é o território brasileiro - disse.

Procurado pelo GLOBO, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, não quis falar sobre o assunto. Segundo um assessores dele, esta é uma questão do Ministério da Justiça. Procurado pelo GLOBO, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, não retornou as ligações do jornal. O Centro de Comunicação Social do Exército informou que só poderia responder a perguntas do jornal sobre a questão na próxima semana.