Título: Bispos ameaçados vão manter atuação
Autor: Carvalho, Jailton de; Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 12/04/2008, O País, p. 12

Três religiosos do Pará estão na linha de frente da defesa dos direitos humanos.

BELÉM (PA). Os três bispos paraenses ameaçados de morte, segundo denúncia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) à Anistia Internacional, são religiosos que estão na linha de frente da luta pelos direitos humanos e, mais de uma vez, já anunciaram que não pretendem arredar um milímetro sequer de sua atuação pastoral.

"A gente vive como se estivesse numa prisão"

Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), anda há anos com proteção policial. Ele se destaca na luta pelos direitos indígenas e contra os grileiros de terra que agem no sudeste do Pará, principalmente no município de Altamira, onde reside. Dom José Luís Azcona Hermoso, bispo do Marajó, e dom Flávio Giovenale, bispo de Abaetetuba, também sofrem ameaças, mas não têm proteção policial.

- A gente vive como se estivesse numa prisão - afirma dom Erwin Krautler, referindo-se à constante presença de policiais em seu entorno.

Para dom Erwin, o Estado continua ausente na Amazônia.

- Tenho que levantar a voz em defesa da reforma agrária, em defesa da própria Amazônia contra a pilhagem, contra o saque, contra a devastação inescrupulosa. Nós estamos do mesmo jeito. Falta os organismos governamentais cumprirem sua função. Se o Incra funcionasse, se o Ibama funcionasse, eu não precisaria gritar. Onde o Estado está presente, o bispo não precisa denunciar fatos horripilantes de agressão à natureza, de agressão à Amazônia - disse.

As ameaças ao bispo de Abaetetuba, dom Flávio Giovenale, aconteceram durante a vigília de Natal do ano passado, quando ele foi abordado e ameaçado. De acordo com a agência de notícias Salesiana, "a advertência parece estar ligada também a outro caso de injustiça, que a Diocese de Abaetetuba está acompanhando, e que se refere à morte de um rapaz de 16 anos, por obra da Polícia Militar".

Preocupada com a vida do bispo Giovenale, a vice-diretora do Programa Regional para as Américas da Anistia Internacional, Guadalupe Marengo, enviou carta à governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), na qual manifesta perplexidade pelas ameaças recebidas pelo bispo em 4 de dezembro de 2007, após o religioso ter denunciado o caso da menina de 16 anos mantida num cárcere masculino na delegacia de polícia de Abaetetuba, onde sofreu abusos.

Segundo relato do bispo Giovenale, um desconhecido o interpelou na rua em Abaetetuba e disse:

- A gente conhece os seus caminhos. Quando a poeira baixar, vamos dar um jeito em vocês...

Dom Flávio denunciou prisão de menina com 20 homens

Dom Flávio Giovenale, salesiano, italiano missionário no Brasil, há dez anos bispo de Abaetetuba, esteve na linha de frente nas denúncias do caso da adolescente de 16 anos encarcerada com homens na delegacia da cidade. Ela foi presa sob acusação de furto no dia 21 de outubro. Ela ficou numa cela com 20 homens até o dia 14 de novembro, sendo obrigada a manter relações sexuais sob violência, em troca de alimento. Ela apresentava marcas de violência no corpo e queimaduras.

Outro religioso que consta da lista de marcados para morrer no Pará é frei Henry des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Xinguara, no sul do Pará, há décadas engajado na luta dos trabalhadores rurais sem-terra por reforma agrária. Todos constam da lista de 100 pessoas ameaçadas de morte elaborada pelo Programa Estadual de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos. No Pará, de acordo com o defensor público Antônio Cardoso, coordenador executivo do Programa de Proteção a Pessoas Ameaçadas de Morte, as maiores ameaças ainda estão relacionadas à questão ambiental e à grilagem de terras:

- No caso de dom Flávio, ele está sob proteção leve, mas dispensou a proteção 24 horas. Dom Erwin foi um dos primeiros a ser protegido. Em função dessa última ameaça, de que a vida dele valeria um milhão, a proteção foi reforçada. Já sobre o bispo do Marajó, só agora tivemos conhecimento da ameaça.