Título: Alerj cassa 2, mas absolve 3
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Fonte: O Globo, 02/04/2008, Rio, p. 13

Deputadas acusadas de fraude perdem o mandato, mas outros conseguem escapar

Cercada por patrulhas da Polícia Militar e com reforço na segurança interna, a Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) cassou ontem, em votações secretas, os mandatos das deputadas Jane Cozzolino (PTC) e Renata do Posto (PTB), acusadas de envolvimento na fraude do auxílio-educação. Já os deputados Tucalo (PSC) e João Peixoto (PSDC), que também corriam o risco de perder o mandato, e Edino Fonseca (PR), que poderia ser suspenso por 90 dias, foram absolvidos. O esquema consistia na concessão de benefícios para funcionários fantasmas lotados nos gabinetes. Nos próximos dias, o Ministério Público estadual poderá pedir a prisão de oito aliciadores e até de parlamentares acusados de participação no esquema. Por precaução, devido às ameaças veladas ocorridas nos últimos dias, deputados envolvidos na apuração das denúncias terão escolta armada.

Embora seja a primeira vez que a Alerj cassou o mandato de dois deputados, o desfecho da sessão acabou não agradando aos integrantes do Conselho de Ética responsáveis pela indicação da perda e suspensão de mandatos. Logo após a absolvição de Tucalo, por 30 votos a 24, o clima de desânimo tomou conta dos integrantes do conselho. Eles temem que nenhum outro parlamentar (oito ainda são investigados) seja punido. Por causa disso, a reunião de hoje do conselho, que votará o relatório final sobre o envolvimento do deputado Marco Figueiredo (PSC), foi adiada para amanhã, para que os deputados avaliem a situação. O presidente do conselho, deputado Paulo Melo (PMDB), também estuda renunciar ao cargo.

Desvio chegaria a R$3,1 milhões

O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), que anteontem havia reunido deputados para sensibilizá-los sobre a situação da Casa, disse que o Conselho de Ética atuou de forma exemplar e transparente. Sobre o fato de três parlamentares terem sido absolvidos, ele argumentou que o sentimento não é de derrota e que o plenário é soberano para decidir.

- Não é fácil cassar dois deputados no voto secreto num mesmo dia. O mesmo plenário que absolveu é o que cassou dois deputados. É importante que se leve em conta que os dois cassados tinham relações diretas com a região onde a quadrilha atuava. A gente está satisfeito, mas não tanto - afirmou Picciani.

Marcelo Freixo (PSOL), autor do requerimento que levou à cassação das duas deputadas, fez coro, mas acha que os outros parlamentares poderiam ter sido punidos, caso não existisse o voto secreto:

- A Casa deu uma resposta às denúncias, mas é claro que temos que entender que o voto secreto, que é um problema nacional nessas questões, prejudicou. Os deputados acabam agindo com corporativismo.

Em sua defesa, Edino Fonseca disse ter sido traído por um líder partidário que indicou os fantasmas. Já Tucalo, que alegou ser perseguido pela imprensa, citou o próprio filho para convencer os parlamentares. Ao saber do resultado, o deputado foi abraçado por colegas e funcionários do seu gabinete. João Peixoto afirmou ser inocente e que também foi traído por um ex-dirigente municipal do PSDC, que teria indicado os funcionários.

A estimativa é que a quadrilha formada por ex-funcionários lotados na Casa tenha desviado R$3,1 milhões em cerca de um ano. Cassada por 48 votos a favor, 15 contrários e cinco abstenções, Jane Cozzolino, que se recupera de cirurgias, chegou à Alerj numa cadeira de rodas. No plenário, ela teve a ajuda do deputado Álvaro Lins (PMDB), que foi absolvido pelo Conselho de Ética, sob a acusação de envolvimento no esquema.

Jane e o seu advogado, Luiz Carlos Silva Neto, tentaram convencer os parlamentares de que o direito de defesa dela teria sido cerceado. Isso porque o processo de cassação ocorreu num período em que a deputada estava em licença médica. Segundo as investigações da Conselho de Ética, dos 52 funcionários do gabinete de Jane Cozzolino, 49 recebiam benefícios, totalizando 278 auxílios-educação.

- Vou atrás dos meus direitos. Não foi a Casa quem deu meu mandato. Não será a Casa que pode me tirar - disse Jane Cozzolino.

Hoje, o advogado de Jane entra com uma representação no órgão Especial do Tribunal de Justiça pedindo a concessão de uma liminar para que ela reassuma o mandato.

- Ninguém pode ser julgado e condenado sem direito à defesa. O que queremos é que a Alerj, se assim entender, reabra o processo para que ela se defenda - afirmou Neto.

A sessão, que cassou Jane Cozzolino, porém, também foi marcada por polêmica. A Mesa Diretora vai investigar uma denúncia feita pelos deputados Pedro Paulo (PSDB) e André Corrêa (PV), que receberam torpedos em seus celulares com uma informação falsa, em nome de um funcionário da Casa, de que a sessão seria adiada. Pedro Paulo disse acreditar que foi uma estratégia para tentar esvaziar a votação. Não deu certo: apenas Alessandro Calazans (PMN) e Graça Pereira (DEM), que estão de licença, não votaram.

Renata do Posto deixou o plenário sem esperar o resultado da votação, afirmando que entraria na Justiça se perdesse o mandato. Ela foi cassada por 50 votos, 11 contrários e sete abstenções. Em plenário, ela disse ser inocente. Numa referência ao fato de dois funcionários seus - Nourival Coelho e seu chefe de gabinete, Frederico Schroll - terem sido reconhecidos como aliciadores de pessoas para a quadrilha, Renata alegou que não conhecia tudo o que se passava no gabinete. Um terceiro envolvido, Érico Schroll, lotado no gabinete do presidente da Câmara de Guapimirim, é irmão do chefe de gabinete. Ao todo, 17 pessoas nomeadas no gabinete de Renata recebiam auxílio-educação de forma fraudulenta.

- O meu erro foi ter sido negligente por não tomar nos meus pulsos tudo o que se passava no gabinete, mas também não poderia violar os contracheques de funcionários para saber quanto recebiam de benefícios - disse.

O advogado de Renata do Posto, Mario Cesar Machado Monteiro, disse que também vai à Justiça. Dois ônibus com cerca de 80 pessoas vieram de Guapimirim acompanhar a votação. O grupo trazia faixas e cartazes em apoio a Renata. Todos diziam que se tratava de um ato espontâneo e não revelaram quem alugou os veículos. No plenário, antes da votação, o prefeito de Guapimirim, Nelson do Posto, afirmava que a sobrinha era inocente:

- A culpa toda foi de funcionários da Alerj que foram demitidos. Ela foi surpreendida.

Com a cassação dos mandatos, os suplentes terão até 30 dias para tomar posse. Na suplência das deputadas cassadas assumirão, respectivamente, um parlamentar que poderá perder o mandato por infidelidade partidária e outro que, antes mesmo de tomar posse, já teve o nome relacionado a um dos suspeitos de irregularidades no auxílio-educação.

No lugar de Jane assume Nilton Salomão, que era filiado ao PMN, e em setembro foi para PMDB. Segundo o Tribunal Regional Eleitoral, ele deve assumir, mas o PMN poderá requerer a vaga, já que o Tribunal Superior Eleitoral considera os partidos donos dos mandatos. Já o substituto de Renata, Iranildo Campos (PTB), disse que está à espera da posse. Ele garantiu que não houve irregularidade na lotação de um dos suspeitos de fraude no auxílio-educação, André Maciel, em seu gabinete, quando foi deputado, de 2005 a 2006.

PARTICIPARAM DA COBERTURA: Fábio Vasconcellos e Luiz Ernesto Magalhães (GLOBO) e Antero Gomes, Carlos Britto, Marcos Nunes, Marcelo Dias e Marcelo Gomes (Extra)

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