Título: Aumenta a freqüência escolar até os 17 anos
Autor: Melo, Liana; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 29/03/2008, Economia, p. 45

RETRATOS DO BRASIL: Ministro da Educação reconhece que ensino médio "faz pouca diferença na vida dos alunos"

Já são 45 milhões em sala de aula, 75,8% da população nessa faixa etária.Mas especialistas criticam qualidade

RIO e BRASÍLIA.Apesar de 14 milhões de crianças e jovens, de 0 a 17 anos, ainda estarem fora das escolas, o Brasil aumentou, nos últimos dois anos, de 73,8% para 75,8% o tamanho da população que freqüenta a escola nessa faixa etária. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que coletou dados de 2006, concluiu que, de um universo de 59 milhões de brasileiros até 17 anos, 45 milhões deles estavam nas escolas. Esses dados mostram que o acesso vem deixando de ser um problema crucial no Brasil, mas a qualidade do ensino continua sendo, segundo especialistas, o maior entrave da educação brasileira.

Até o ministro da Educação, Fernando Haddad, está convencido de que o elo mais frágil da pirâmide educacional brasileira é o ensino médio, que, "da forma como está organizado, faz pouca diferença na vida dos alunos". Só que Haddad, ao contrário do que defende especialistas, acredita que o maior problema da educação no país é mais a desigualdade e menos a qualidade do ensino:

- Cerca de 50% dos nossos jovens têm nível de aprendizado igual ao de alunos de Israel, que ocupa a 23ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas o abismo que separa os melhores e os piores nas escolas do país faz a média brasileira cair.

Sudeste lidera ranking de permanência na escola

Os dados da Pnad espelham essa preocupação do ministro. Enquanto na região Sudeste, 72,2% das crianças e jovens ficam nas escolas mais de quatro horas diárias, esse percentual cai para 19,6%, no Norte do país. A média nacional é de 43,8%. No ensino médio, o desequilíbrio é um pouco menor, mas ainda assim a desigualdade regional permanece: 72,8% passam mais de quatro horas na escola no Sudeste e 40,4% no Norte.

Para as crianças que freqüentam creche, o aumento foi percebido apenas na rede particular de ensino, onde a freqüência de mais de quatro horas subiu de 41%, em 2004, para 43,9%, em 2006.

A Pnad mostra ainda que o Sudeste apresentou o maior percentual de crianças freqüentando creche (19,2%). O Rio de Janeiro foi o estado com a maior taxa de frequência à escola ou creche (80,3%). O extremo oposto é a Região Norte, onde o acesso foi de apenas 8%. O Acre foi o estado onde a taxa de freqüência foi a menor do país: 65,1%.

A disparidade sócio-demográfica no Acre levou o estado a apresentar os piores indicadores de acesso entre crianças e jovens de 7 a 14 anos. Enquanto as melhores taxas de escolarização foram detectadas em Santa Catarina (99%), São Paulo (98,9%) e Distrito Federal (98,7%); no Acre, foi de 94%.

Outra evidência dessa desigualdade é retratada pela relação entre a renda média familiar e o indicador de freqüência. Enquanto para as crianças e jovens residentes em domicílios sem rendimento ou com renda de até um quarto do salário mínimo a taxa de freqüência na escola ou creche era de 69,3%, nos lares onde a renda era superior a dois salários, essa taxa subiu para 86%.

País é lanterninha em ranking de rendimento escolar

Segundo Maria Lúcia Vieira, responsável pelos indicadores de educação do IBGE, o Nordeste foi a única região em que essa relação não chegou a influenciar.

- Apenas 28,8% das crianças e jovens estavam fora das escolas ou creches naquelas famílias com baixo rendimento - comentou Maria Lúcia Vieira, responsável pelos indicadores de educação do IBGE.

O ensino praticamente atingiu a universalização na faixa etária de 7 a 14 anos, naquelas famílias com rendimento superior a dois salários mínimos.

Apesar das diferenças regionais fortes, em todos os locais houve evolução nos indicadores de freqüência escolar em relação a 2004. A melhora mais significativa na taxa de escolarização foi para as crianças com idade de 4 a 6 anos. A Pnad mostrou também que a taxa de escolarização feminina superou a masculina nas três faixas etárias: no pré-escolar e nos ensinos fundamental e médio.

Para Maurício Blanco, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o governo não deveria estar mais se preocupando com os indicadores de acesso no país e sim com os indicadores de resultado. A Pnad não capta esses impactos, mas a qualidade do ensino no país vem jogando o Brasil para o final da lista da Pesquisa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que compara o rendimento escolar entre os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A pesquisa é de 2006.

- No indicador de leitura, ficamos em 49º lugar, entre 56 países. Em matemática, o Brasil ficou em 54º lugar, num grupo de 54 países da OCDE. E em ciências, ficamos em 52º lugar num ranking de 57 países. Estamos brigando com a Colômbia pelas piores posições no ranking internacional, só ganhamos em matemática - compara Blanco.

Colocar a criança e o jovem na sala de aula é também um objetivo da Organização Internacional do Trabalho (OIT):

- A OIT-Brasil enfatiza a importância de que a sociedade em geral e, em especial, os governos federal, estaduais, distrital e municipais e as organizações de empregadores e trabalhadores mobilizem esforços em prol da educação e adotem medidas em caráter de urgência para resgatar e proteger meninos e meninas - comentou a diretora da OIT-Brasil, Laís Abramo.

Gestão de ensino público é falha, diz especialista

O especialista em educação da Unesco no Brasil Célio da Cunha disse que o governo brasileiro investe pouco e mal na área. Segundo ele, isso pode ser comprovado pelo imenso contingente de crianças e adolescentes com idade entre 7 e 17 anos fora da escola (14 milhões), como mostrou o IBGE. Cunha também criticou os problemas de gestão na área e citou a necessidade de adotar políticas públicas mais eficientes para combater a repetência.

- É muita gente fora da escola, sobretudo numa idade que pega o ensino fundamental e médio. A máquina pública brasileira tem problemas de gerenciamento - disse o professor. - O país investe pouco em educação.

Segundo ele, programas sociais, como o Bolsa Família, são importantes, mas insuficientes para universalizar o acesso à educação. Ele disse que há um enorme déficit na área, depois de anos de omissão dos governantes. Uma alternativa, destacou, é tornar o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) - que traça metas de qualidade até 2021 - uma política de Estado.

Já o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) divulgou nota defendendo que os indicativos da área educacional evoluíram neste governo. Ele destacou ainda os efeitos do Bolsa Família no aumento do acesso à escola na gestão do PT:

"Outro aspecto importante é o de que, para as crianças de 7 a 14 anos de idade moradoras em domicílios com rendimento per capita de dois ou mais salários mínimos, o ensino praticamente alcança a universalização (99,7%). Essa estreita correlação entre rendimento domiciliar e freqüência à escola mostra a importância de programas de transferência de renda como o Bolsa Família".