Título: Analistas temem bolha na alta de commodities
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 19/03/2008, Economia, p. 23

Matérias-primas nunca receberam tanto capital especulativo em meio à busca de investidores por retorno maior

À primeira vista uma excelente notícia para as exportações brasileiras, a forte alta nos preços de commodities (mercadorias) agrícolas e metálicas neste início de ano já desperta preocupação entre produtores e especialistas em bolsas de mercadorias. Eles alertam que nunca antes esses produtos subiram influenciados tão fortemente por movimentos especulativos. Na compra e venda de alguns artigos ¿ como petróleo e, com menos intensidade, até café ¿ investidores financeiros sempre estiveram presentes. Mas, agora, especuladores estão aplicando grandes montas em produtos tão diferentes como cacau e níquel.

Em alguns casos, os preços estão completamente descolados dos fundamentos da economia, ou seja, das condições de oferta e demanda desses produtos. Teme-se a criação de uma bolha financeira com as commodities e, principalmente, os efeitos de um provável ¿estouro¿ dessa bolha no futuro.

Corrida por "commodities" é efeito da crise nos EUA

Estima-se que, hoje, o volume de negócios nas bolsas de mercadorias agrícolas e metálicas seja o equivalente a 15 vezes a quantia que é de fato comercializada na ¿economia real¿. Trata-se de um reflexo direto da crise financeira americana: com o dólar fraco e os juros nos Estados Unidos baixíssimos, investidores tentam lucrar no mercado de commodities e, simultaneamente, se protegerem de um alta da inflação no futuro.

¿ O giro e as posições em aberto (contratos feitos por investidores financeiros) hoje no mercado são muito maiores do que há alguns anos ¿ afirma Marco Antônio Franklin, da Paraty Investimentos.

Dados compilados pela Paraty mostram que, só no mercado de soja, o volume de contratos em aberto na posição comprada (na qual investidores apostam na alta) mais do que dobrou nos últimos meses. Eram menos de 50 mil contratos desse tipo no início de 2007 e chegaram a 115.796 contratos abertos, o equivalente 15,76 milhões de toneladas de soja, ou US$7,6 bilhões pelo preço de ontem.

A cotação da soja já subiu 11% este ano. No açúcar, a alta chega a 25%, mesmo com excedentes na safra de Brasil e Índia, os maiores produtores mundiais. O vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, lembra que até commodities metálicas, como alumínio (32%) e cobre (29%) estão em alta.

¿ Numa crise que teve como epicentro o setor de construção civil (que usa insumos metálicos) nos EUA, ninguém poderia imaginar que esses preços subiriam tanto. Pela primeira vez, quase todas as commodities viraram meros ativos financeiros.

Estouro da bolha afetaria exportações brasileiras

Castro lembra que outras matérias-primas que não são cotadas em bolsa ¿ e, portanto, não recebem investimento especulativo ¿ têm registrado queda de preços ou altas bem mais modestas. É o caso das carnes, bovina, suína e de frango. Castro destaca ainda que, se até agora, ¿a crise para o Brasil está ótima¿, já que a alta nas commodities têm compensado, para os exportadores, a queda do dólar, o futuro é uma incógnita. O temor é que essa bolha estoure. E, se isso ocorrer simultaneamente a uma desaceleração mais forte da economia mundial, os preços da commodities podem cair com ainda mais intensidade.

O economista José Carlos Hausknecht, da MB Agro, também vê um componente especulativo na recente alta das commodities. Ele lembra que os estoques mundiais estão apertados, ou seja, a demanda por esses produtos está próxima da oferta. Mas só isso não justificaria preços tão altos.

¿ Hoje, a participação de fundos de investimentos nas commodities agrícolas é maior e mais generalizada.

Hausknecht afirma que, se houver uma forte redução nos preços, o impacto maior seria para a próxima safra, com um desestímulo para o aumento do plantio. Este ano, afirma, a comercialização está forte: aproveitando os preços altos, os produtores estão vendendo seus grãos tão logo fazem a colheita.

Até mesmo no petróleo, commodity em que os investimentos financeiros sempre tiveram influência, dessa vez os efeitos têm sido mais intensos. Ontem, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, voltou a afirmar que a alta do petróleo no mercado internacional está fortemente atrelada a movimentos especulativos.

¿ É um setor que está tendo boa rentabilidade. Entre 2000 e 2007, o (petróleo do tipo) brent acumulou alta de 20,88%, contra 0,11% do S&P 500 (índice da Bolsa de Nova York).

COLABOROU Bruno Rosa