Título: Aumentar imposto é a última opção
Autor: Paul, Gustavo; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 30/12/2007, O País, p. 10

Para recompor o Orçamento sem a CPMF, ministro do Planejamento admite rever calendário de obras do PAC.

Esbanjando satisfação com os resultados da economia em 2007, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não perde o humor e recorre a um jargão futebolístico para explicar o que significou para o governo a derrota na tentativa de prorrogar a CPMF. Para ele, o governo é um time que terminou o ano campeão, mas perdeu o último jogo de goleada da oposição, com a faixa de campeão borrada:

- Eles conseguiram carimbar nossa faixa e não deixaram fechar o ano tão maravilhoso.

O ministro avisa: subir impostos, só em último caso. Ele antecipa que um dos caminhos será postergar reajustes de servidores e início de obras, inclusive as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Gustavo Paul e Eliane Oliveira

Como estão as negociações para repor a perda de receita da CPMF?

PAULO BERNARDO: A CPMF não foi uma perdazinha. O que perdemos foram R$40 bilhões em quatro anos, porque estava prevista a prorrogação até 2011. Significa que, a preços de 2008, vamos perder R$160 bilhões. Isso, entre outras coisas, significou desarranjar completamente nosso PPA (Plano Plurianual 2008-2011).

Já há medidas prontas?

BERNARDO: O presidente disse que não vamos fechar nada este ano. Ele pediu para trazermos no começo de 2008 as alternativas para começarmos a tomar as decisões. Vamos decidir isso até fevereiro.

Como será a equação de cortes no Orçamento e aumento de receitas?

BERNARDO: O deputado José Pimentel (relator do Orçamento, PT-CE) falou de reestimativas de receitas em torno de R$8 bilhões, e ele é criterioso. Provavelmente, vamos ter um pouco mais de crescimento este ano. Numa situação como esta, que é grave, só temos como adotar dois tipos de medidas: aumentar a receita e diminuir gastos. Acho que a proporção que o Pimentel está falando é boa.

Os R$5,3 bilhões obtidos na licitação da terceira geração da telefonia celular entram no cálculo?

BERNARDO: Não entram totalmente, porque vamos receber uma parte desses recursos no ano que vem e o resto vai ser pago ao longo dos anos. Acho que entram 30% em 2008. Não posso obrigar as empresas a pagarem à vista.

Elevar impostos está na pauta?

BERNARDO: O governo já falou que não quer um pacotaço de aumento de tributos. Ainda não temos o detalhamento, mas podemos ter alguma majoração de tributos. Estamos avaliando isso e vamos levar ao presidente.

Fala-se em aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras)...

BERNARDO: A vantagem do IOF é que não é necessário mexer em lei. O IPI também. Mas não estou dizendo que são essas medidas. Aumentar imposto é a última opção. Até porque o governo em cinco anos não fez aumento de tributos. Fizemos o contrário: reajustamos a tabela do Imposto de Renda e seguidas desonerações de IPI e de PIS/Cofins.

A decisão de preservar 100% do PAC e dos programas sociais está confirmada?

BERNARDO: Confirmo. Mas, em função da alteração na votação do Orçamento, pode ter mudança no calendário. Um programa pode não ser implementado em março, mas em maio e junho, o que dá uma diferença de custo.

E o salário mínimo?

BERNARDO: Nele não se mexe. Fizemos um acordo com as centrais sindicais.

E os salários dos servidores?

BERNARDO: Temos uma série de decisões a serem implementadas, pois já estão no formato e em condição de serem mandadas para o Congresso. Não temos decisão sobre isso, mas, particularmente, acho que deveríamos postergá-las. Romper acordos já feitos é muito ruim, mas se mostrarmos que estamos com dificuldades e precisamos de mais tempo, é razoável. O que há no Orçamento de 2008 de acréscimo na folha, sem incluir os militares, é R$6,9 bilhões. Se entrar no meio ano, gasta-se a metade. Se faço um adiamento, diminuo o impacto.

E quanto aos militares?

BERNARDO: Ainda não temos uma decisão, mas me parece que teremos que adotar o mesmo a ser feito com os civis. Não podemos dizer que os civis terão aumento no segundo semestre e os militares terão de aguardar.

As novas negociações salariais estão congeladas?

BERNARDO: Não tem nada congelado, mas evidentemente tem que ter um critério similar. O que não se pode é passar (aprovar) o grupo que tem muito poder de pressão e deixar o resto esperando. Isso ninguém vai aceitar. Mas se eu já tiver um critério que seja isonômico - não precisa ser igualzinho - acho que temos força moral para ter aceitação.

E a contratação de substitutos para os terceirizados continua?

BERNARDO: Há terceirizados em atividades-fim que são objeto de acordo com o Ministério Público e temos que gradativamente substituí-los. Para os outros terceirizados, queremos propor medidas de contenção de gastos. Talvez revisar contratos e buscar uma revisão geral desses custos. Aí estão o pessoal de vigilância, limpeza, manutenção, e os contratos de prestação de serviços.

Como lidar com o corte nas emendas parlamentares?

BERNARDO: Acho inevitável essa discussão. Tenho R$40 bilhões a menos de receita do que era previsto. Se não vamos cortar os programas sociais e o PAC, teremos de cortar outros investimentos. E as emendas parlamentares são um grande conjunto de investimentos, legitimamente acrescentados pelo Congresso. Mas o tamanho é perfeitamente possível de discutir. Há R$12 bilhões de emendas de bancada. Preciso de R$18 bilhões para recompor o orçamento da saúde, outros R$7 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Social. Como faço? Talvez não seja simpático falar nesse assunto, mas seria absurdo não falar.

Esses cortes não trariam seqüelas políticas ao governo?

BERNARDO: Se eu fosse ficar discutindo só o que é politicamente palatável, a verdade é que não teria solução. Todo mundo acha que tem que aumentar a despesa e baixar a receita. Todos querem uma carga tributária menor, e querem um volume de despesa maior. Só que isso não fecha o Orçamento. Não é represália, não é retaliação, não é vingança. Eu preciso de dinheiro para saúde.

As estatais podem dar uma contribuição maior?

BERNARDO: Podem. Mas isso tem que ser negociado e não podemos pesar muito a mão. Essas empresas têm compromisso com o governo para fazer seus investimentos. A Petrobras tem um volume de investimentos enorme que estão no PAC e queremos que ela os execute.

Que lição o governo tira da perda da CPMF?

BERNARDO: Chegamos a fechar acordos com o PSDB duas vezes na reta final. Um deles era destinar todos os recursos da CPMF para a saúde e o outro aprová-la apenas por um ano. Eles tiveram que voltar atrás, porque não houve aceitação. Então, a conclusão que tiro é que, mesmo se não tivesse havido erro, não teria acordo. A oposição precisa ter seu espaço e tem que mostrar que está atuando, que está forte. Isso é normal mas, aparentemente, eles não estão suportando o volume de boas notícias que tem aí. É muito difícil mesmo, porque a oposição não pode ir ao plenário e dizer: que beleza, estamos crescendo 5,2%, o comércio vai crescer 10%, o emprego cresceu 2 milhões de vagas, o crédito vai chegar a R$1 trilhão.

Mas o governo perdeu para o governo. Ele não teve cinco votos de senadores da sua base.

BERNARDO: Isso mostra que não temos maioria. Temos uma base de no máximo 45 senadores, e não é suficiente para aprovar emenda constitucional. A realidade é essa, e temos de tocar a vida. Eu falei com o presidente que ficou difícil aprovar a reforma tributária e ele não gostou. Ele disse que nós não temos que fazer esse tipo de prognóstico. Temos que mandar a proposta e defendê-la, buscar o diálogo e ver com quem podemos fazer acordo e tentar aprová-la. Se não aprovarmos, é outro problema. Eles (a oposição) conseguiram carimbar nossa faixa e não deixaram fechar o ano tão maravilhoso. Acho que, depois de carimbar a faixa, pode ser que o pessoal (da oposição) diga que já aplicou uma goleada (no governo) e vamos conversar de novo.

Como o governo vai agir agora em relação ao Congresso?

BERNARDO: Não podemos negar que tivemos uma derrota grave. As conseqüências são para os próximos quatro anos e talvez para o sistema tributário futuro. Nas próximas discussões da reforma tributária, como poderemos incluir a CPMF? Talvez consigamos restabelecer o diálogo em outros parâmetros. Por isso, eu aceito a reprimenda que o presidente me fez. Faz parte do jogo democrático.

Estados e municípios vão sofrer muito sem a CPMF?

BERNARDO: O corte nas emendas parlamentares terá um reflexo enorme nos municípios e nos estados, mas a tarefa do governo é garantir que os mais pobres não sejam prejudicados. O Orçamento para saúde foi destroçado com esse negócio da CPMF. Vamos recompor e não podemos fazer o discurso: ferraram com a saúde. Não ferraram, porque não vamos deixar.

O cenário já está contaminado pelas eleições de 2010?

BERNARDO: Não há dúvida. Tem matérias nos jornais falando que precisam erodir um pouco a popularidade do presidente, senão eles (a oposição) não terão chance em 2010. Isso é legítimo. A oposição não pode pensar em ajudar o governo e levar uma sova na eleição de 2010. O negócio é derrotar o Lula e conturbar o ambiente, porque quem sabe pára de vir tanta notícia boa. A população percebe o que está por trás desse movimento. E, no debate político, vamos ganhar.

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