Título: Belíndia? Não, Isloa
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 29/11/2007, Economia, p. 25

Desigualdade histórica conserva no Brasil realidades dos extremos do IDH: Islândia e Serra Leoa.

Trinta e quatro anos depois que o economista Edmar Bacha cunhou a expressão "Belíndia" para marcar os contrastes do Brasil próspero - representado pela Bélgica - e da miséria da Índia, o país controlou a inflação, distribuiu renda, mas ainda permanece extremamente desigual em termos regionais. Um exemplo que mistura Islândia, no topo da qualidade de vida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, e Serra Leoa, na "lanterna" do mundo. É como se a "Belíndia" brasileira tivesse dado lugar à "Isloa".

Enquanto a média nacional de parâmetros de saúde, educação e renda põe o país no 70º lugar entre 177 nações e territórios - com IDH de 0,800, na escala de 0 a 1 - regiões e estados brasileiros mantêm realidades muito díspares, com indicadores semelhantes tanto aos da África - a região mais atrasada do planeta - quanto aos da Europa - continente com maior qualidade de vida.

A expectativa de vida ao nascer, um dos três componentes do IDH, é símbolo dessas disparidades. Em 2005, ano-base dos dados usados no Relatório de Desenvolvimento Humano, divulgado anteontem, Alagoas era o estado em pior situação: seus habitantes tinham expectativa de vida de 66 anos, contra 74,9 anos no Distrito Federal.

A média brasileira era de 71,7 anos, o que deixou o país em 79º lugar no ranking específico desse indicador, que busca sintetizar as condições de saúde da população. Se Alagoas fosse um país, figuraria em 115º lugar no ranking da saúde, atrás do Tajiquistão, na Ásia. Região com os maiores passivos sociais do país, o Nordeste, onde a média era de 69 anos, ocuparia a 106ª posição, logo atrás de Trinidad e Tobago (América Central).

Rio entre Costa Rica e Chile na educação

O Nordeste, assim como Alagoas, está em situação pior que Paraguai, Peru e Suriname. O Ceará, com média de 69,6 anos, ficaria empatado com Suriname e Tailândia, no 101º lugar. A Região Sul tinha a média mais alta de expectativa de vida: 74,2 anos, equivalente à da Eslováquia, que estava em 53º lugar nesse ranking específico. O Sudeste vinha em segundo, com expectativa de 73,5 anos, igual à da Tunísia (59ª posição), seguido pelo Centro-Oeste, com 73,2 anos (Venezuela, 61ª), pelo Norte, com 71 anos (Cabo Verde e Filipinas, 90ª) e o Nordeste, com 69.

- O IDH é calculado com base em médias, o que esconde disparidades brutais. O Brasil tem muitas desigualdades e, mesmo dentro de uma cidade, há bairros com mortalidade infantil zero e outros com taxas acima de 100 (óbitos para cada 1.000 bebês nascidos vivos). Ou seja, padrões de vida dos primeiros países do mundo ao lado de taxas africanas - diz o assessor especial de Desenvolvimento do Pnud, Flávio Comim.

A alfabetização de jovens e adultos, que compõe o indicador de educação, ao lado das taxas de matrículas nos ensinos básico e superior, é outro retrato do desenvolvimento desigual do país. Alagoas, mais uma vez, era o estado em pior situação: apenas 70,7% da população acima de 15 anos sabiam ler e escrever em 2005, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

É a mesma taxa de Madagascar, o país africano que ocupa a 143º posição no ranking do IDH, atrás do Nepal, Suazilândia e Bangladesh, com índice de desenvolvimento humano de 0,533 - logo acima, portanto, da faixa de baixo desenvolvimento, que vai de 0 a 0,500. No Ceará, a taxa era de 87,4%, menor inclusive do que a nordestina, de 88,1%, a mais baixa do país na comparação entre regiões geográficas.

No outro extremo, está a Região Metropolitana de Porto Alegre, onde a taxa de alfabetização alcançava 96,5%. A realidade local supera a de países como Grécia, Chile e Portugal, com 96%, 95,7% e 93,8%, respectivamente. O Distrito Federal, unidade da federação com o melhor desempenho em alfabetização de jovens e adultos, tinha taxa de 95,3%, atrás do Chile e à frente da Costa Rica.

- Não dá para combater o analfabetismo no interior do Nordeste da forma como se faz nos estados mais desenvolvidos - receita a presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), Maria Auxiliadora, que é secretária da Educação de Tocantins.

Se fosse um país, o Estado do Rio ficaria em melhor posição do que o Brasil no ranking do IDH. Na expectativa de vida, por exemplo, o dado fluminense era de 72,4 anos, o suficiente, porém, para igualar-se apenas à Ilha Maurício, na África, que ocupa a 70ª colocação no ranking da saúde e, no IDH, ficou em 65º lugar.

Em relação ao analfabetismo, o Rio tinha uma taxa de 95,2% de alfabetização de jovens e adultos, melhor do que a da Costa Rica (94,9%) e pior do que a do Chile (95,7%). Os dois países estão no grupo do alto desenvolvimento humano.

A despeito da histórica desigualdade brasileira, o país tem motivos para comemorar, segundo o chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o economista Marcelo Neri. Ele observa que a população mais pobre está no foco de políticas públicas de transferência de renda, educação e saúde e está sendo ajudada pela recuperação consistente da renda:

- O ano de 2006 foi o melhor da década em redução da pobreza no Brasil. Estamos na década de redução da desigualdade, assim como os anos 80 foram da redemocratização, e os anos 90, da estabilização econômica.

É hora de cobrar, diz pesquisadora

Maria Conceição Silva, de 37 anos, é um exemplo da população que está sendo beneficiada pelos programas de transferência de renda. Mãe solteira, ela mora com seus três filhos - Pedro Henrique, de 15 anos; Amanda, de 12; e Mateus, de 8 - numa casa alugada no Conjunto José Valter, em Fortaleza. Desempregada, lava roupa ou faz faxina de vez em quando, tarefas pelas quais ganha de R$10 a R$20 por dia.

- Enquanto os homens ganham muito dinheiro para assinar papel no ar-condicionado, uma mãe de família trabalha nas casas sendo humilhada - lamenta.

Há dois anos, Conceição começou a receber R$112 por mês do Bolsa Família, montante que considera fundamental para cobrir as despesas da casa. A filha do meio tem Síndrome de Down e está aposentada por invalidez. Mas o dinheiro pago pelo INSS no valor de um salário mínimo, segundo Conceição, é insuficiente para os gastos com alimentação, roupas, aluguel (R$90 mensal) e medicamentos.

A professora e pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde da UFRJ, Lígia Bahia, diz que o ingresso simbólico do Brasil no grupo do alto desenvolvimento humano reforça o otimismo em relação ao futuro do país. Mas considera que o momento é de ampliar investimentos: - É hora de redobrar a atenção e a cobrança. Mas há uma expectativa de melhoria com o PAC da Saúde e de mais investimentos em políticas sociais.

COLABOROU Isabela Martin