Título: O Brasil é um laboratório para a internet
Autor: Rodrigues, Luciana; Delmas, Maria Fernanda
Fonte: O Globo, 15/11/2007, Economia, p. 27

País é ideal para testar interação social na rede, diz vice-presidente do Google. Conexão no futuro será interplanetária.

Um dos criadores da internet, Vinton Cerf ocupa o inusitado cargo de vice-presidente e evangelista-chefe do Google. Evangelista porque atua quase como um profeta: cabe a Cerf identificar novas tecnologias e aplicativos, ou seja, apostar na internet do futuro. No Rio para o Fórum de Governança na Internet da ONU, Cerf citou Shakespeare para explicar a importância do Brasil nos negócios do Google. E mostrou seus brinquedinhos tecnológicos - notebook e modem por rádio, ambos da Apple - para reforçar a confiança no avanço da internet pelo celular. Recém-saído da presidência do Icann (órgão regulador da web), Cerf terá mais tempo para se dedicar a um ambicioso projeto: a internet interplanetária.

Luciana Rodrigues e Maria Fernanda Delmas

Os brasileiros são os maiores usuários do Orkut e passam mais tempo na internet do que a média. Qual é a importância do Brasil para o Google?

VINTON CERF: O Brasil é um caso muito interessante. Os jovens são muito rápidos em aprimorar o uso da internet como uma forma de interagir com os outros. É um bom lugar para testar. Não gostaria de usar o termo laboratório, porque não estamos fazendo experimentos. Mas é um ambiente útil para ser observado. E aqui, como em outras partes do mundo, o acesso à telefonia celular tem crescido rapidamente. Boa parte da população mundial terá seu primeiro contato com a internet pelo celular. As projeções para 2010 são de 3 bilhões de usuários de celular. Nesse caso novamente, o Brasil é um microcosmo do mundo. Outro ponto é que a língua e a cultura têm enorme impacto na maneira como as pessoas usam a internet. Dizem que as pessoas são iguais em qualquer lugar do mundo, Shakespeare escreveu isso há 400 anos. Mas a verdade é que a língua influencia a maneira como você pensa e interage com a informação. Estamos descobrindo agora que precisamos adaptar nossos produtos e nossos serviços. Hoje operamos com 40 línguas diferentes.

O português é falado em poucos países. Ainda assim, o Brasil é emblemático para o Google?

CERF: O Brasil é um microcosmo não tanto no sentido da língua. Estou mais interessado no laboratório de como as pessoas usam a rede de contatos, quais aplicativos interessam, que funções consideram interessantes. Vemos comportamentos muito distintos, em relação a redes de contatos, em diferentes partes do mundo. Em alguns lugares, as pessoas - e os jovens, principalmente - querem se diferenciar dos outros na internet e tentar descobrir quem realmente são. Em outras partes do mundo, o desejo é por uniformidade. Aqui no Brasil, observamos o estilo mais individualista.

Como o Google pode crescer em países em desenvolvimento como o Brasil? O senhor citou os celulares, mas aqui a maioria dos aparelhos é pré-paga e de modelos simples.

CERF: No Brasil, há uma enorme diferença entre as grandes cidades, onde a presença da internet é muito maior, e o resto do país. Isso ocorre também na Índia e na China. É muito difícil levar infra-estrutura de telecomunicações a áreas remotas. Os celulares são a maneira mais rápida de conseguir algum acesso à internet. Um exemplo é este hotel. Aqui, com um celular, se há internet na TV e um pequeno modem sem fio a rádio no quarto, não preciso acessar tudo pelo celular, posso acessar pela TV, com sua tela grande e seu teclado maior. Aparelhos como o celular serão nossa porta de entrada para internet. É só pensar na filosofia do Google. Quando um usuário faz uma pergunta no site do Google, essa pergunta vai para um de nossos gigantescos datacenters, que rodam os aplicativos e processam as informações para o usuário, que, assim, só precisa carregar consigo um aparelho de comunicação muito básico, que basta ter uma tela e um teclado.

Já existem Google Maps, Google Earth, Google Sky. Qual é o próximo passo?

CERF: Temos uma filosofia no Google que é deixar nossos engenheiros dedicarem 20% de seu tempo a pensar livremente. Eles podem trabalhar em qualquer coisa, desde que não seja ilegal. Com isso, há invenções que ninguém poderia prever. Não posso falar sobre coisas que ainda não anunciamos. Mas temos interesse por celulares e, também, em integrar mais os vários serviços e aplicativos que oferecemos.

Como está o projeto de internet interplanetária do qual o senhor participa com a Nasa?

CERF: Não é um projeto do Google, faz parte dos meus 20% de tempo livre. Trabalho nisso há dez anos. A idéia é muito simples. Temos lançado missões, plataformas, robôs, por exemplo a Marte ou Saturno. A comunicação é por rádio, obviamente não dá para ser por fios. Mais e mais esses robôs estarão no espaço ao mesmo tempo. Queremos padronizar os protocolos de comunicação. Na Terra, por causa dos padrões da internet, você carrega seu laptop e está apto a falar com 500 milhões de outras máquinas. Não tínhamos padrões como esses no espaço. Agora estamos fazendo padrões internacionais por meio do CCSDS (fórum criado por agências espaciais). Cada agência espacial poderá usar esses protocolos. Quando uma missão for lançada, (a comunicação) será compatível com outra. Nas próximas duas ou três décadas, criaremos esse backbone (espinha dorsal que conecta as redes) interplanetário.

Na prática, será possível enviar um e-mail de Marte para Saturno?

CERF: Em missões tripuladas, sim. E essa informação não precisará passar pela Terra.