Título: A salvação de Tupi
Autor: Thomé, Débora
Fonte: O Globo, 09/11/2007, Economia, p. 24

Até ontem, eram vários os bancos e consultorias que recomendavam que era hora de começar a vender as ações da Petrobras. Uma das justificativas era de que a alta já havia sido muito grande; de 54%, em dólar, nos últimos três meses. Mas tudo mudou com o anúncio da enorme descoberta do campo de Tupi - e elas deram o salto que se viu, subindo 14%. A segunda preocupação dos analistas tinha a ver com o resultado do terceiro trimestre da companhia, que vai ser divulgado hoje pela manhã. A expectativa é de que ele venha baixo. Desde julho que a produção de petróleo da empresa cai.

A descoberta de um novo campo, que pode aumentar as reservas brasileiras em 40%, de fato, é uma notícia que justifica essa alta enorme da ação. Ela tem potencial para mudar todo o cenário da indústria de petróleo no país. O Brasil chegaria ao nível de produção de uma Venezuela, um grande player do mercado internacional.

Porém, ainda que tudo isso seja verdade, e que, até mesmo, possa valer o estardalhaço do anúncio - feito como se fosse o anúncio de uma decisão de Estado -, há vários pontos que precisam ser avaliados com cautela. Não que a novidade deixe de ser boa. Apenas é importante dimensionar a descoberta de maneira mais racional. Oba-oba e negócios normalmente não combinam.

O primeiro desafio que a Petrobras encontrará neste processo será o de conseguir extrair petróleo a 7.000 metros de profundidade de forma rentável.

- A pergunta que tem que ser feita não é se dá para chegar lá, mas se dá para chegar lá comercialmente - afirma Caio Carvalhal, analista da Cambridge Energy Research Associates (Cera).

O normal, nestes casos, é que os custos iniciais sejam altíssimos, contudo eles diminuem ao longo do tempo, conforme os investimentos em tecnologia vão sendo compensados. O que a Petrobras está calculando é que será possível - e rentável - extrair petróleo a essa profundidade.

Não se pode negar que decisões como essa só fazem sentido do ponto de vista econômico atualmente porque a fonte de energia tem alcançado preços estratosféricos. O barril ronda os US$100, acima do patamar alcançado na segunda grande crise, no fim dos anos 70.

Quando se tem um petróleo tão caro, os parâmetros utilizados nas contas mudam. Passa a valer a pena arriscar mais, perfurar mais profundamente. Existe uma lógica da indústria de petróleo que é, quanto mais caro o petróleo, mais petróleo no mundo. Isso porque uma série de investimentos passa a ser justificável. Alguns projetos que eram descartados passam a fazer sentido.

O grande porém é que praticamente nenhum cenário futuro feito para o petróleo indica que os contratos se manterão ad eternum neste preço tão alto. As expectativas são de que, em algum momento, o crescimento mundial vai diminuir seu ritmo, e isso jogaria o petróleo para baixo. Para o próximo ano, por exemplo, a média esperada é de US$70.

Certamente, a Petrobras está fazendo essas contas, afinal extrair de um campo como o de Tupi só se viabiliza com um petróleo caro; ou se o custo de exploração cair muito.

De qualquer modo, o preço do petróleo é sempre uma incógnita. Este ano, ninguém está conseguindo explicar muito bem a alta. De 1999 para cá, o barril quintuplicou. O problema que houve nas previsões foi que se imaginava que um substituto à altura do petróleo poderia ser encontrado mais rápido. Hoje a expectativa é de que, antes de 2050, isso não deve acontecer. Ou seja...

Há outros pontos interessantes em relação ao anúncio de ontem. A curtíssimo prazo, o governo conseguiu "mudar o rumo da prosa". Nesta sexta-feira, como vocês podem ver, não são o gás escasso ou a volta do investimento na Bolívia os principais assuntos dos jornais, mas a fartura de petróleo.

Isso é pontual. No entanto houve mensagens relevantes do ponto de vista da política energética. Uma delas foi anunciada pela ministra Dilma Rousseff, que informou sobre a decisão de retirar da 9ª rodada de licitação, em cima da hora, áreas próximas a Tupi. Isso dá sinais de que a intenção é fazer um modelo de exploração mais concentrado na Petrobras.

Hoje as empresas privadas respondem por pouco mais de 1% da produção no Brasil, mas, nos próximos 15 anos, 15% dos investimentos em exploração e produção virão delas. Dos 312 blocos desta rodada, 152 eram de alto potencial, número bem superior ao das últimas rodadas. Isso atraiu o interesse de investidores estrangeiros.

- Em agosto, a BG (que é sócia em Tupi) já tinha anunciado isso. A Petrobras já estava pesquisando. Por que, então, mantiveram a oferta até agora no leilão? Havia 65 empresas inscritas, com estudos caros feitos. Isso melou o leilão. Só vão sobrar campos ruins - reclama Adriano Pires, do CBIE.

De fato, já está mais que na hora de o Brasil definir, afinal, qual será o seu modelo para o setor. Se quer os investimentos estrangeiros, ou se dará exclusividade à Petrobras. O que não dá é para permanecer nesta situação de um monopólio - mal - disfarçado.