Título: Parceria renovada
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 29/03/2009, Mundo, p. 18

CÚPULA DE DOHA

Evento que preocupou israelenses, reunião de líderes árabes e sul-americanos terá nesta semana sua segunda edição, desta vez no Catar. Comércio entre os blocos avançou mais que a cooperação política

-------------------------------------------------------------------------------- Isabel Fleck Da equipe do Correio Jose Varella/CB/D.A Press - 10/5/05 Chefes de governo da Aspa durante a primeira cúpula, há quatro anos, em Brasília: fórum de empresários terá destaque no Catar Quatro anos depois de realizada a primeira Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), chefes de Estado e representantes dos 34 países que compõem o grupo se reunirão novamente, na terça-feira, para verificar o andamento da Declaração de Brasília, acordada em maio de 2005. A intenção é pontuar o que foi feito e o que pode ser realizado em áreas como economia, ciência e tecnologia, meio ambiente e cultura. Mas não será preciso muito esforço para identificar que os avanços mais significativos foram mesmo no intercâmbio comercial.

Só o Brasil registrou um crescimento de cerca de 150% no comércio com países da Liga Árabe desde que a Aspa foi criada. A importância do tema será confirmada no fórum de empresários que antecede a segunda Cúpula da Aspa, em Doha (Catar), e vai se estender por dois dias. Já o evento principal, com chefes de Estado e de governo, deve durar apenas algumas horas. Essa disparidade revela que a sintonia política entre os dois lados do Atlântico ainda é pouca ¿ embora suficiente para deixar em alerta o governo israelense (leia a análise ao lado).

Até o sábado, haviam confirmado presença na reunião os chefes de Estado ou de governo de Argentina, Bolívia, Chile, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname e Venezuela. Os governos de Colômbia, Equador e Uruguai, por sua vez, não serão representados por seus presidentes. Do lado árabe, a expectativa é de que a participação seja grande ¿ 19 dos 22 chefes de Estado devem comparecer ¿, já que a reunião foi estrategicamente marcada para um dia depois da Cúpula da Liga dos Estados Árabes (LEA), também em Doha.

Entretanto, a expectativa maior parece vir mesmo do governo brasileiro, que idealizou a Aspa e sediou o primeiro encontro, em 2005. ¿Queremos que a Aspa se torne efetivamente um fórum de cooperação Sul-Sul. O Brasil está com uma série de projetos e queremos levar isso adiante¿, afirma o diretor do Departamento de Mecanismos Regionais do Ministério das Relações Exteriores (MRE), embaixador Gilberto Moura. Segundo o diplomata, a segunda cúpula marca a ¿consolidação¿ do organismo multilateral, depois de quatro anos de encontros periódicos de grupos de trabalho. ¿Esse é um fórum de convergência, em que trocamos experiências diante das dificuldades¿, explica Moura, destacando a ¿cumplicidade positiva¿ entre os diversos países.

Para essa cúpula, o Brasil tem esperança de avançar em parcerias nas áreas de ciência e tecnologia e cultura. Um dos projetos mais adiantados é o de combate à desertificação, incluindo técnicas de dessalinização da água que vêm sendo pesquisadas no país há algum tempo. A parceria interessa não só ao Brasil, que enfrenta o problema da escassez de água no Nordeste, mas aos países do Oriente Médio, que precisam de meios eficazes para a captura e consumo da água do mar. O Brasil também já ofereceu cooperação para a utilização das imagens do satélite sino-brasileiro CBERS para mapear o avanço da desertificação nos países árabes.

Dificuldades O ponto alto, segundo o Itamaraty, é a confirmação da Declaração de Doha, que dará as diretrizes das relações até 2011, quando ocorrerá a terceira cúpula da Aspa, no Peru. ¿Há negociações que já começaram há algum tempo, mas sofreram dificuldades por certos interesses de uma parte ou de outra. Agora, é a hora de retomar as negociações entre os dois grupos¿, destaca Moura. Uma das conversas que será reavivada é a de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) ¿ formado por Arábia Saudita, Barein, Emirados Árabes Unidos, Catar, Kuweit e Omã. Segundo o MRE, na ocasião será divulgada uma declaração conjunta reafirmando a intenção de concluir as negociações.

A previsão é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha pouco tempo para conversas bilaterais. Ele chega ao Catar amanhã à noite e no fim da terça-feira já vai a Paris. Lula, porém, deve arranjar um lugar na agenda para alguns dos ¿vários países¿ que pediram um encontro com o brasileiro. Há grande expectativa sobre a reação do presidente à eventual presença do ditador do Sudão, Omar Al-Bashir, convidado para o encontro. Al-Bashir é o primeiro governante em exercício a receber uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional, pela morte de mais de 200 mil pessoas no conflito étnico de Darfur.