Título: Golpe em Honduras
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Fonte: O Globo, 29/06/2009, O Mundo, p. 19

Militares expulsam presidente para Costa Rica e líder do Congresso assume

TEGUCIGALPA

A crise política e institucional que pôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em rota de colisão com o Congresso, a Justiça e as Forças Armadas nas últimas semanas, resultou ontem em um golpe de Estado e no sequestro do presidente, que foi levado à força para a Costa Rica. A residência oficial da Presidência na capital, Tegucigalpa, foi invadida por militares e Zelaya levado ainda de pijama para uma base aérea. Oito ministros foram presos, entre eles a chanceler Patrícia Rodas, e há relatos não confirmados de que embaixadores latino-americanos foram agredidos por militares. O golpe provocou uma onda de reações internacionais e pressões diplomáticas para o retorno da ordem democrática.

Na madrugada de sábado para domingo, segundo relatos, cerca de 300 militares chegaram em caminhões e cercaram a residência de Zelaya. Após uma troca de tiros com dez seguranças, eles invadiram a casa e sequestraram o presidente, que preparava para ontem uma consulta popular sobre a realização de um referendo para alterar a Constituição. Pela manhã, o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, anunciou que Zelaya renunciou ao cargo por meio de uma carta e assumiu interinamente a Presidência. Ao mesmo tempo, uma operação militar prendeu oito ministros. A chanceler Patrícia Rodas e o embaixador da Venezuela no país, Armando Laguna, que estavam em uma reunião, teriam sido levados para um caminhão do Exército e agredidos. O embaixador teria sido deixado em uma estrada e a ministra levada para paradeiro desconhecido. Há relatos de que os embaixadores de Cuba e da Nicarágua também teriam sido agredidos pelos militares.

Após chegar à Costa Rica, Zelaya negou que tenha renunciado e denunciou o sequestro e o golpe de Estado.

- Nunca renunciei. O que ocorreu foi um crime contra a democracia. Uma conspiração político-militar de uma elite que tem medo de consultar o povo - disse o presidente.

Segundo o jornal "El País", o presidente, visivelmente abatido, contou que os militares invadiram seu quarto e nem o deixaram trocar de roupa.

- Fui retirado de minha casa de forma brutal, sequestrado por soldados encapuzados que me apontavam rifles. Mas eu, até as eleições, sigo sendo o presidente de Honduras. Só o povo pode me retirar e não um bando de gorilas - disse Zelaya ao presidente da Costa Rica, Óscar Arias.

Toque de recolher à noite na capital

A crise em Honduras começou quando Zelaya determinou a realização de um referendo para mudar a Constituição, abrindo caminho para sua reeleição. O Congresso, a Suprema Corte e as Forças Armadas rejeitaram a proposta. O presidente, então, determinou à revelia dos demais poderes que uma consulta sobre o referendo fosse feita ontem. Para realizá-la, ele destituiu na semana passada o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, o general Romeo Vázquez, que se recusou a colaborar, e disse que passaria por cima da Justiça e do Congresso, que iniciou um inquérito parlamentar para tentar destituí-lo.

A primeira-dama Xiomara de Zelaya, que estava no interior do país ajudando na organização da consulta popular, teria fugido para uma região de montanhas. No início da tarde, a Suprema Corte reconheceu ter ordenado que o Exército expulsasse o presidente. Em um comunicado, a corte disse que "as Forças Armadas agiram em defesa da lei".

Horas após o golpe, a frente da residência oficial foi tomada por dezenas de manifestantes, que tentaram invadir a casa. Em vários bairros de Tegucigalpa ocorreram protestos em apoio ao presidente, alguns com barricadas. Os militares ocuparam lugares estratégicos da capital ainda pela manhã. No fim da tarde, um avião venezuelano chegou à Costa Rica para levar Zelaya para a Nicarágua, onde terá um encontro com presidentes da região e receberá apoio. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou a ameaçar Honduras de guerra:

- Nossas Forças Armadas estão em alerta. Se agrediram nosso embaixador, vamos agir militarmente.

No início da noite, por causa das manifestações, o governo interino decretou toque de recolher durante a madrugada.