Título: Um choque nas finanças
Autor: Bastos, Isabela; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 02/01/2009, Rio, p. 9

Paes assume cortando gastos com pessoal e contratos para economizar R$1,5 bi.

Numa cerimônia concorrida na Câmara de Vereadores, Eduardo Paes tomou posse ontem como prefeito do Rio, anunciando um pacote econômico com o objetivo de economizar R$1,5 bilhão este ano e preparar a prefeitura para as eventuais consequências da crise mundial. O corte equivale a mais do dobro do valor destinado a investimentos (R$745 milhões) no orçamento da prefeitura para 2009. O ex-prefeito Cesar Maia não transmitiu o cargo.

Num discurso de quase 20 minutos, Paes enumerou boa parte dos 40 decretos publicados na edição de ontem do Diário Oficial, a primeira de sua gestão. Foi aplaudido em diversos momentos, como quando disse que encerrava "a novela da instalação do aterro de lixo de Paciência" e ao reafirmar que pretende transformar os guardas municipais de celetistas em estatutários:

- O Diário Oficial de hoje (ontem) vem com um conjunto de decretos fundamentais para começar a organizar a cidade para os desafios que enfrentaremos. Estamos publicando os atos que reorganizam a máquina municipal, buscando dar mais agilidade à prefeitura.

Ao chegar à Câmara, às 11h45m, Paes cruzou na portaria com o ex-governador Anthony Garotinho, que o cumprimentou. Ainda na entrada, o novo prefeito foi surpreendido por José Alves de Moura, o Beijoqueiro, que o abraçou e o beijou no rosto. À tarde, Paes empossou os seus 22 secretários e seis subprefeitos. A cerimônia, no Palácio da Cidade, contou com a presença do governador Sergio Cabral, de secretários estaduais e dos ministros José Gomes Temporão (Saúde), Orlando Silva (Esporte) e Meio Ambiente (Carlos Minc). Compareceram ainda os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Melo e Carlos Alberto Direito.

Medidas indicam devassa no município

Entre os decretos voltados para reduzir custos, Paes determinou um corte de pelo menos 30% nos cargos comissionados e nas gratificações de servidores. Em outro ato, o prefeito fixa em pelo menos 20% o enxugamento das despesas de custeio das secretarias, com exceção das áreas de educação e saúde. Todos os contratos de obras, fornecimento de materiais e serviços terão que ser auditados, com o objetivo de manter apenas o essencial. Para estes, terá de haver renegociação de valores, para um corte de pelo menos 20%. Paes anunciou ainda que todos os pagamentos de despesas e os investimentos da prefeitura estão contingenciados e só serão liberados gradativamente, após sindicâncias de cada secretaria.

- Ao longo dos últimos meses, não tivemos as informações necessárias quanto ao fluxo de caixa da prefeitura. Somando-se a isso, nós temos uma peça orçamentária que aparenta ter receitas superestimadas e despesas subestimadas. E vivemos um momento delicado da conjuntura econômica nacional e internacional - ressaltou o prefeito.

Paes determinou ainda um auditoria, coordenada pela Controladoria Geral do Município, em todos os contratos que tenham sido celebrados com dispensa de licitação. Até mesmo o sistema de telefonia de todos os órgãos da prefeitura passará por um pente-fino. Na prática, isso corresponde a uma devassa na gestão anterior.

A despeito da crise, Paes voltou a assegurar que não está nos seus planos o aumento de impostos:

- Tudo que a gente não precisa agora é de aumento de impostos. Nós vamos tratar de aumentar a arrecadação da cidade, ampliando a base. E essa possibilidade existe sem que se tenha que aumentar impostos. A gente imagina que, com as medidas de contingenciamento, estaremos economizando R$1,5 bilhão no orçamento de 2009 - disse o prefeito, que classificou o orçamento encaminhado por seu antecessor, Cesar Maia, à Câmara como uma "quase peça de ficção", por ter, segundo a equipe de Paes, receitas superestimadas e despesas subestimadas.

Segundo Paes, o contingenciamento só será afrouxado ao longo do ano, à medida que a nova equipe comece a ter ciência de todo o fluxo de caixa da prefeitura e os impostos forem sendo pagos:

- Precisamos, neste primeiro momento, apertar o cinto, melhorar a qualidade dos serviços e buscar mais eficiência nos gastos. À medida que o ano for caminhando, podemos ir afrouxando - declarou Paes, acrescentando que não considera que as dificuldades da transição tenham sido fruto de má-fé da última administração. - Quero olhar para a frente. Não vou perder tempo julgando o passado. A população já julgou.

Apesar dos cortes, Paes assegurou que um dos seus compromissos de campanha, a implantação do bilhete único nos meios de transporte do município, será realizada até o fim do ano. Por meio de decreto, foi fixado um prazo de 60 dias para a Secretaria municipal de Transportes apresentar um plano para a criação do sistema.

O discurso de posse de Paes teve um tom conciliador em relação ao Legislativo. Ele lembrou sua passagem pela Câmara e conclamou os vereadores a participarem da administração:

- É na relação entre os poderes que podemos começar a estabelecer as mudanças de que nossa cidade tanto precisa. É necessário e fundamental para a democracia que tenhamos um Poder Legislativo forte. Esse poder precisa ser ouvido e ter o respeito do Executivo. Venho aqui convidá-los para iniciar o processo de mudança da cidade. Destaco a necessidade urgente de termos um novo Plano Diretor para a cidade. A aprovação do plano deve ser um compromisso do Executivo e do Legislativo, a ser cumprido ainda no primeiro semestre de 2009. As amarras que atravancam o desenvolvimento da cidade e os equívocos, frutos de um planejamento errado, precisam ser superados com a aprovação do Plano Diretor.

Para racionalizar e dar transparência aos gastos da prefeitura, Paes anunciou a expansão do sistema de pregão eletrônico (pelo qual fornecedores e prestadores de serviço oferecem suas propostas via internet e todo o processo pode ter acompanhamento externo) em 75% do total dos procedimentos licitatórios.

- Esse é um instrumento moderno e importante, que reduz os custos da administração pública - explicou o prefeito.

Para aumentar a arrecadação, foi determinado à Secretaria de Fazenda que apresente ao prefeito, em 60 dias, um plano destinado à implantação, ainda em 2009, do sistema de nota fiscal eletrônica, de forma a modernizar o sistema de arrecadação do Imposto Sobre Serviço (ISS). O sistema, que já existe em várias capitais brasileiras, como São Paulo, permite o acompanhamento diário do recolhimento do imposto. Antes da posse, Paes chegou a anunciar que os cariocas que passarem a exigir as notas, contribuindo assim para o sucesso do programa, poderiam ter descontos de IPTU.

- Esse é um instrumento de transparência e democratização da arrecadação do município.

Ainda na área financeira, um dos decretos do prefeito publicados ontem determina uma auditoria nos serviços prestados pelo Banco Santander, que tem a exclusividade das contas dos servidores municipais.

A austeridade se estenderá ao tamanho da máquina. Em seu discurso de posse, Paes destacou que estava reduzindo o número de secretarias (de 27 para 22) e de subprefeituras (de 18 para seis). Informou ainda que estava ratificando a súmula do STF que, desde agosto, proíbe nepotismo no serviço público.