Título: Adeus, G-7
Autor: Rands, Maurício
Fonte: O Globo, 27/12/2008, Opinião, p. 7

Na esteira da atual crise global, surge a necessidade de novos princípios para calibrar as relações internacionais. Entre eles, uma nova engenharia financeira que substitua o sistema de Bretton Woods e assegure um destacado papel de países emergentes como Brasil, China e Índia na formulação de estratégias para a economia mundial. Trata-se um novo mapa geoeconômico, como ficou evidenciado na reunião de cúpula do G-20 financeiro, em Washington. Lá, quase se emitiu a certidão de óbito do G-7, cuja obsolescência está visível e prenuncia o surgimento de um sistema com mais representatividade e legitimidade, sobretudo no tocante às instituições financeiras multilaterais.

No caso do G-7, é legítima a sua substituição pelo G-20, como querem Brasil e outros emergentes, responsáveis por 75% do crescimento mundial. O bloco deve ser transformado em um grupo permanente de chefes de Estado e de Governo para articulação de políticas financeiras. O G-7 já não representa as sete maiores economias do mundo industrializado. Esse grupo de concertação deve-se abrir para uma maior participação das economias em desenvolvimento, que precisam ter mais voz, representação e voto também no funcionamento do FMI e do Banco Mundial, os quais já cumpriram seu papel, nem sempre de forma feliz.

O Brasil, por qualquer critério, está entre as dez maiores economias, e desponta como parte da solução da crise que aflige o planeta. Na reunião do G-20, lançaram-se luzes sobre uma nova quadra, do ponto de vista do multilateralismo, agora reforçado com as promessas de Barack Obama. É possível supor que Obama e sua equipe econômica serão mais internacionalistas, vitaminando o G-20. Essa mudança de rumo reforça as teses defendidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de se acabar com o vale-tudo nas finanças globais - o cerne da crise - e instituir a regulação do mercado, incentivo ao crescimento e apoio aos emergentes.

Mesmo contra a vontade das metrópoles, sinaliza-se o fim do clube privativo das nações ricas, com possível conformação de uma nova ordem. Nada mais ilustrativo do que o presidente George W. Bush ladeado por Lula e o presidente da China, Hu Jintao, na mesa do jantar da cúpula. Como disse Lula, o G-7 - ou o G-8, se incluirmos a Rússia - não tem mais razão de existir.

Nesse cenário, a perspectiva de crescimento moderado em 2009, ante previsões pessimistas para as economias centrais, dá ao Brasil condições de atuar de forma pró-ativa no processo, ao mesmo tempo que consolida a visão de que o Estado é imprescindível para regular a economia, sepultando as teses neoliberais do Estado mínimo. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, calcula que o mundo precisa de um estímulo fiscal de US$1,2 trilhão para combater a crise. De onde, se não do Estado? O dogma de que o mercado carece de intervenções ruiu.

Ao mesmo tempo, o Brasil mostra ao mundo a importância de políticas de esquerda, consolidando uma visão favorável em direção a propostas com maior conteúdo progressista. Valores como igualdade, combate às discriminações, democracia participativa e inclusão social.

A inflexão no plano global, rumo a teses neokeynesianas, demanda, dos brasileiros, um esforço coletivo para enfrentar novos desafios. Ao Congresso, algumas tarefas específicas, como a aprovação de uma agenda que permita ao país fortalecer-se para enfrentar a tormenta, cujos contornos ainda não estão definidos. Uma das tarefas é aprovar o Fundo Soberano e a reforma tributária, ambos instrumentos anticíclicos, que asseguram investimentos com desoneração fiscal e garantem pleno funcionamento da economia.

MAURÍCIO RANDS é líder do PT na Câmara dos Deputados.