Título: 2009 a caminho da recessão
Autor: Nunes, Vicente; Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Economia - Tema do Dia, p. 11

A forte queda do PIB no último trimestre de 2008 comprometeu o desempenho da economia este ano, que já começou com uma retração de 1,5%

O tombo de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no quarto trimestre do ano passado ¿ o maior desde 1996 ¿ deixou uma herança maldita para 2009. A economia já começou o ano condenada a registrar retração de 1,5%, caso não consiga recuperar o fôlego rapidamente a partir de agora. Esse percentual se refere ao que os especialistas chamam de carry-over, ou seja, o carregamento estatístico do ano anterior. Até o final do ano passado, o governo apostava que o legado de 2008 para este ano seria positivo em 1,2%, o piso do crescimento do PIB. Mas a crise mundial pegou o Brasil de forma tão violenta que o país não só parou como andou para trás. ¿Infelizmente, começamos o ano devendo crescimento¿, resumiu o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.

Como muita gente não acredita que a retomada da atividade será ligeira e forte para zerar o carry-over, já se fala que o PIB fechará o ano com queda de 2%. Se confirmada, será a primeira contração anual da economia desde 1992 ¿ o último da era Collor. ¿Infelizmente, 2009 será um ano perdido e não está claro que 2010 será de recuperação¿, afirmou o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Para Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), por tudo o que se viu no último trimestre de 2008 e nos dois primeiros meses deste ano, a indicação é de que o Brasil está entrando em recessão. E mesmo que o BC acelere o processo de redução da taxa básica de juros (Selic) a partir de hoje ¿ é quase consenso no mercado de que o corte será de 1,5 ponto percentual ¿, os efeitos do alívio monetário não serão sentidos a tempo de reverter a força exercida pela crise internacional.

O impacto da crise no Brasil foi tão forte que, pelo modelo usado no mundo para expressar o resultado do PIB, pode-se dizer que o país registrou o quinto maior tombo entre 26 nações analisadas pelo Bradesco. Anualizada, a retração de 3,6% significou um encolhimento de 15,2%, menor apenas do que o da Tailândia (-22,3%), de Taiwan (-21,1%), da Coreia do Sul (-20,6%) e de Cingapura (-16,9%). Essas economias são muito dependentes de exportações para países que estão no atoleiro. No caso do Brasil, como as vendas externas representam somente 14% do PIB, acreditava-se que a contração do mercado internacional teria efeito limitado. Mas, segundo o economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, verificou-se que as exportações representam 60% da indústria brasileira, que desabou 7,4% nos três último meses de 2008.

Otimismo de Lula Apesar dos evidentes sinais de que o país, que crescia acima de 6% até setembro, foi pego no contrapé, o presidente Lula não acredita que a economia entrará em recessão ou fechará o ano com queda do PIB. Ele afirmou que as medidas adotadas pelo governo demoraram a fazer efeito, mas assegurou que ¿a partir de março, abril e maio¿ o país terá um período de crescimento e chegará ao fim do ano com uma boa recuperação. ¿Mesmo que seja próximo de zero, o Brasil certamente será um dos poucos países do mundo dos emergentes e dos grandes que não terá uma recessão¿, frisou.

Bastante pessimista, o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, põe no colo do governo boa parte da culpa pelos estragos da crise no país. ¿O governo assistiu à casa caindo sem intervir da forma que precisava. Errou no diagnóstico, errou no timing da ação e errou nas medidas iniciais¿, disse. Ele lembrou que, enquanto a indústria se deteriorava, o BC teimava em manter os juros em 13,75% ao ano. Além disso, o governo injetou R$ 100 bilhões no sistema financeiro, sem que os bancos destinassem ¿nem um centavo¿ para empréstimos.

No entender de Almeida, o crescimento inercial que o ano de 2008 deixaria para 2009 foi para o espaço. ¿O momento atual é gravíssimo¿, afirmou. Segundo ele, pior do que o resultado do PIB no trimestre, foi o fato de a queda ter sido maior na indústria. ¿Nos próximos meses, a indústria vai funcionar como um fantasma, assombrando o setor agrícola e o de serviços. O impacto nesses dois segmentos da economia ainda está por vir.¿

Na avaliação do economista Armando Castelar Pinheiro, analista da Gávea Investimentos, é quase certo que o PIB do primeiro trimestre de 2009 será negativo, caracterizando recessão técnica no país. ¿Começamos o ano muito mal. A expectativa era de que a crise demorasse um pouco mais para atingir o consumo das famílias e o setor de serviços. Mas esses indicadores tiveram queda, sobretudo, por causa da contração do crédito e do desemprego¿, destacou.

Para o economista-chefe da RC Consultores, Marcel Pereira, será necessário um desempenho extraordinário nos próximos trimestres para se reverter a tendência negativa da economia. Mas essa recuperação espetacular é improvável. ¿Uma queda de 17,2% na produção industrial (em janeiro) não é algo que se vê todo dia. A teoria da marolinha já foi levada pela correnteza há muito tempo¿, disse. A referência é à já célebre frase do presidente Lula, segundo a qual a crise provocaria um ¿tsunami¿ nos países desenvolvidos e chegaria ao Brasil apenas como uma ¿marolinha¿.