Título: Inovando contra o país
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 14/08/2007, Opinião, p. 7

Criadas a partir de 1997, as agências reguladoras brasileiras foram uma inovação no contexto administrativo brasileiro. A exemplo de outros institutos, como o Juizado Federal, as agências reguladoras foram transplantadas do sistema jurídico formal anglo-saxão e, como é natural, levam tempo para serem aceitas pela nossa cultura jurídica romano-germânica e pela nossa tradição presidencialista centralizadora.

A discussão da Lei Geral das Agências Reguladoras enviada pelo Executivo ao Congresso e a informação de que o governo Lula pretende retirá-la para limitar sua independência tornam o assunto de grande atualidade.

Não é segredo para ninguém as restrições do Partido dos Trabalhadores ao processo de privatização e ao funcionamento das agências reguladoras. Instalado no poder, o PT introduziu, em 2003, as primeiras mudanças na legislação vigente criando o contrato de gestão e a ouvidoria para tentar controlar mais de perto suas atividades. Agora, a lei geral estabelece divisão de tarefas entre ministérios e agências, o governo ficando responsável pela formulação de políticas setoriais e as agências da regulação e fiscalização, em especial no tocante aos contratos de concessão.

O marco regulatório deve ser encarado como um instrumento do Estado. Na sua origem nos EUA, foram concebidas para permitir a ingerência do Estado nas atividades produtivas privadas em defesa do interesse público. Hoje, as agências devem ser um fator de limitação do poder discricionário dos governos em áreas que foram privatizadas.

Em muitos países, como o Brasil, é limitada a compreensão da diferença entre as atividades de governo, com prioridades temporárias, e as de Estado, que devem ser sempre permanentes. Se juntarmos a isso a filosofia estatizante do PT, temos o caldo cultural que pode transformar as agências em meros apêndices do governo, quando, nos países em que elas existem e funcionam perfeitamente, o princípio básico é sua independência.

A lei geral em exame pelo Congresso peca por pretender dar o mesmo tratamento a agências de natureza diferente (reguladoras - Aneel e Anatel - e executivas, as demais), aumenta o controle do governo sobre as nomeações e demissões e interfere no funcionamento das agências reguladoras. Nesse sentido, pode ser considerada um retrocesso. Se o governo Lula vier a retirá-la para introduzir modificações pode-se imaginar que o projeto de lei se tornará ainda mais restritivo.

É do interesse da sociedade brasileira que a legislação seja aperfeiçoada, sem perder de vista a defesa do interesse dos consumidores e usuários e o necessário controle da qualidade do serviço público prestado.

No caso do Brasil, as agências são importantes também para tornar mais transparente a concorrência e para assegurar a estabilidade das regras contratuais, elementos críticos na definição de investimento por parte das empresas, sobretudo as estrangeiras.

No momento em que o governo Lula busca captar recursos externos para o programa de aceleração do crescimento, o enfraquecimento das agências reguladoras e executivas será percebido como uma medida ideológica que tornará menos favorável o ambiente de negócios para o programa de parcerias públicas e privadas. Na contramão das tendências internacionais, a nova regulamentação das agências poderá criar uma situação em que elas se tornem apêndices dos ministérios e sem condições de defender os interesses dos usuários, como está ocorrendo com a Anac. Ali ficou evidente a politização e o partidarismo na indicação de seus dirigentes e sua baixa capacitação técnica.

O governo Lula prestaria um grande serviço ao país se nomeasse um grupo restrito de personalidades a fim de sugerir propostas para o aperfeiçoamento e o fortalecimento das agências como instrumentos do Estado e não do governo. Esse grupo poderia discutir também quem deve regular e controlar os órgãos reguladores (na experiência dos EUA é o Congresso, no Brasil o governo ocupa esse espaço) e formas de participação da cidadania, pelo acompanhamento do serviço público prestado e sua responsabilização pelos atos praticados.

Se não é jaboticaba e só existe no Brasil é besteira, dizia Mario Henrique Simonsen. Se o Congresso aprovar uma legislação que retire mais poder das agências, estaremos, lamentavelmente mais uma vez, inovando de forma contrária aos interesses nacionais.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).