Título: Aperto e dilema
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 09/08/2007, O Globo, p. 2

Popularidade é uma coisa, governabilidade é outra. Podem correr em trilhas paralelas, pode haver, ou não, a contaminação de uma pela outra. Reeleito como foi, o presidente Lula respondeu ao desafio da governabilidade atraindo o PMDB e montando uma ampla coalizão. Na Câmara, ela propicia uma maioria folgada, que, no Senado, continua exígua. Com o agravamento da situação do presidente da Casa, Renan Calheiros, o governo se vê em situação delicadíssima no Senado.

Depois do estio do recesso, a tempestade sobre Renan voltou com toda a força: uma nova denúncia, o pedido de processo do procurador-geral ao STF, a quebra do sigilo, outros dois processos no Conselho de Ética. É carga para quem tem sete fôlegos. Nas últimas horas, Lula fez um ziguezague que explicita seu dilema. Primeiro, deu a entender, lá de Honduras, que desejava um desfecho rápido para o caso de Renan, fosse ele qual fosse, para não atrapalhar a agenda do governo, encabeçada pela emenda que prorroga a CPMF e a DRU, instrumentos vitais para a preservação da receita e da gestão fiscal. Na mesma noite de anteontem, ligou para Renan, que talvez já estivesse reagindo à declaração diurna. Talvez Lula mesmo tenha se dado conta do perigo de suas palavras. Deve ter reiterado solidariedade e autorizado Renan a revelar a conversa, em sinal de que não foi abandonado pelo Planalto.

O dilema de Lula é esse. Se abandona Renan, terá contra si a bancada do PMDB. Ora, mesmo com o apoio integral dela, o governo ainda não terá os votos necessários para aprovar uma emenda constitucional, pelo quórum de três quintos, que no Senado correspondem a 49 votos. O governo, com boa vontade na contagem, tem 40 ou 41. Com 41, pode aprovar matérias que exigem maioria absoluta. Mas emenda, só com a ajuda da oposição, reconhece o senador petista Tião Viana

E, para a oposição, a derrubada de Renan, seu afastamento da presidência, vai se tornando um questão de honra, talvez um troféu de caça neste exílio do poder que DEM e PSDB enfrentam. Abandonar Renan seria uma forma de o governo fazer uma média com a oposição, pacificar o ambiente e facilitar a aprovação de sua agenda. Mas não deve, não pode ter contra si a base peemedebista leal a Renan. Pelo menos boa parte dela ainda o é.

Por ora, o DEM decidiu boicotar todas as votações que forem presididas por Renan, mas não por seu vice petista, Tião Viana. Os tucanos vão obstruir, mas só depois que for aprovado um ponto importante da pauta, a lei geral das micro e pequenas empresas. Mas a onça vai mesmo beber água é quando a CPMF-DRU chegar por lá, talvez no início de outubro. Como o DEM já fechou questão contra a prorrogação da cobrança do imposto, o governo estará na mão dos tucanos. Mas dependendo ainda de Renan, pois, com tanto processo, o Conselho de Ética ainda vai trabalhar uns dois meses nisso.

Popularidade é uma coisa; governabilidade, outra.