Título: ACM
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 21/07/2007, O Globo, p. 2

Antonio Carlos Magalhães morreu um pouco naquele 21 de abril de 1998 em que perdeu Luís Eduardo. "Ele era minha luz", disse do filho. Agora partiu de vez, levando parte de um tempo político que bem encarnava: era um remanescente dos anos 50, do tempo das oligarquias regionais e seus coronéis e da era em que estilo e personalidade faziam política. O estilo ACM, pelo que tinha de bom e mau, produziu Antonio Carlos Malvadeza e Toninho Ternura. Eles saem de cena deixando a política mais anódina, desprovida de personalidade e paixão.

Não devemos fazê-lo santo porque morreu. ACM tinha muitos defeitos, menos a hipocrisia. Não é favor à sua memória dizer que, neste final da vida, a experiência, a dor, as perdas e o aprendizado o haviam feito mais virtude e mais ternura, embora nesta fase tenha cometido seus maiores erros políticos. Cometeu-os após perder a sua luz no plano nacional. Na Bahia, que modernizou e engrandeceu a seu modo - tirando de suas relações com o poder federal ganhos para o estado -, ele ensinou a sua política ao filho que escolheu como sucessor. Mas em Brasília, aonde chegou como senador em 1990, era Luís Eduardo, com sua modernidade, que o guiava. Tirava com suavidade os cacoetes da província.

ACM foi deputado nos anos 50 e, mesmo sendo da UDN, era amigo de JK, da coalizão PSD-PTB. Juscelino, contava-nos o senador, chamava-o para conversar em horas mortas, para evitar ciúmes de sua base. Às vezes, na banheira, o presidente imerso na água quente para relaxar. Desse tempo, restavam hoje no Congresso ele e Sarney. Chegaram juntos ao Rio, nos anos 50. Sarney agora estará mais só no Senado.

Depois veio Jânio, a crise da renúncia, Jango e o golpe de 64. ACM apoiou os militares e à sombra da ditadura erigiu seu reinado na Bahia. Mas soube ajudar na transição, pulando do barco para a nau da Aliança Democrática que elegeria Tancredo, e sendo por este escolhido ministro das Comunicações. Mantido por Sarney, foi um dos pilares políticos de seu governo de transição. Saberia usar o poder e o cargo para ajudar o amigo na labuta com a Constituinte para garantir o quinto ano de mandato. É desse tempo o convívio desta nascente coluna, e de sua então jovem titular, com o ambivalente ACM. Houve farpas, recíprocas, mas prevaleceu sempre o respeito. Lembro-me do dia em que, após uma visita ao comitê de Tancredo, ao entrar no elevador, deixando para trás os repórteres, ele soltou a frase: "Agora sou Toninho Ternura". Estar na Nova República e ajudar a enterrar a ditadura pareciam redimi-lo consigo mesmo. Assim soou-me a frase. Muitas outras viriam, e muitas glórias, como a volta ao governo da Bahia, e finalmente o Senado, palco mais iluminado, onde não sabia se locomover com a leveza do filho. Foi como um coronel à frente da tropa que, logo ao chegar, ele atravessou a rua em passadas marciais para reclamar com o presidente da República, FH, da intervenção no Banco Econômico. Pegou mal.

Depois da morte de Luís Eduardo, suplanta o luto na luta, naquela briga feia com Jader Barbalho. Em 2001, renuncia para não ser cassado por violação do painel eletrônico do Senado. A violação mostraria como cada um votou na cassação do senador Luís Estevão. Era o Malvadeza em ação. Reconquistado o mandato, tem que responder no Conselho de Ética pelos grampos que teria espalhado na Bahia contra adversários. É salvo pela indulgência de seus pares; depois disso, a gratidão toma forma de ternura nas relações com a Casa. Tornara-se parte dela, construíra uma rede de afetos. Por isso, depois que deixou a presidência, nunca ficou sem um palco, a presidência de uma comissão. Sarney deu-lhe Relações Exteriores; Renan, Constituição e Justiça, seu último posto. Dedicou-se a ele como um pintor ao último quadro.

ACM sentiu o golpe da derrota ano passado na disputa ao governo da Bahia. Seu candidato perdeu para Jaques Wagner, petista amigo de Luís Eduardo, e isso ajudou a pacificá-los. Ontem, de Salvador, Wagner dizia a ACM Júnior, no Incor, depois de soltar uma circunspecta nota de pesar: "Vamos fazer um funeral republicano".

O governo federal pôs a FAB à disposição da família, Wagner preparou a logística para que os baianos possam lhe prestar a merecida honra do adeus.