Título: Os refugiados ambientais
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 08/07/2007, Economia, p. 29

Com desertificação avançada, Miracema aposta em floresta plantada para conter êxodo rural.

De uma família numerosa, de 11 irmãos, Antonio Ramalho é o único que ainda não abandonou a roça. Ele e a mulher, Maria Lúcia, continuam capinando o mato na tentativa de colher 800 sacas de arroz por ano, como faziam há uma década. Hoje, a safra é de 180 sacas anuais e a renda familiar não passa de um salário mínimo. Dos cinco filhos, apenas o caçula, de 17 anos, permanece no campo, mas ele já está pensando em se tornar o mais novo refugiado ambiental de Miracema, como seus tios e irmãos.

O município - um dos 13 do Noroeste fluminense -, já foi auto-suficiente em arroz nos anos 70, mas hoje importa o produto do sul do país. Nos últimos anos, a área rural de Miracema sofreu, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), um dos mais alarmantes processos de degradação do solo, a desertificação. Cálculos da secretaria de Agricultura do município dão conta de que 30% do campo estão desertificados. Os efeitos desse fenômeno recaem, preferencialmente, sobre os pobres, que dependem da produção agrícola para sobreviver.

A família Ramalho é um exemplo emblemático desse fenômeno e, sem saber, passou a constar das estatísticas oficiais. Há três décadas, 34,65% dos miracemenses moravam no campo; no último Censo do IBGE, o de 2000, verificou-se que apenas 11,16% da população ainda viviam na roça. A ONU calcula que esse movimento migratório já atingiu 1,2 bilhão de refugiados ambientais no mundo. Se, num passado recente, os refugiados trocavam de cidade ou de país por motivos políticos, hoje a questão ambiental está criando uma nova geração de exilados.

- Estou perseguindo o caminho da revitalização e apostando na silvicultura. Precisamos parar de exportar miséria - comenta Carlos Roberto de Freitas Medeiros, prefeito de Miracema.

À frente de um município que arrecada apenas 7% do seu orçamento, o prefeito, que integra o Partido Verde (PV), virou um entusiasta da lei do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), recém-aprovada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), para atrair novos investimentos. A lei nasceu polêmica, já que flexibiliza a contrapartida de mata nativa para empreendimentos agrícolas. Os 30% de Mata Atlântica que, no passado, eram preservados para cada cem hectares de eucaliptos, caíram para 20%. Está previsto ainda percentuais menores, de 12% e 15%, para áreas de até 50 hectares.

Aprovada há pouco mais de um mês, a lei é fruto de uma queda-de-braço com ambientalistas e a bancada petista da Alerj, que votou contra o texto por considerá-lo nocivo. Os opositores da lei acreditam que a silvicultura tende a agravar a degradação do solo, em vez de revertê-la. O remanescente de Mata Atlântica no Noroeste fluminense é de apenas 4,73%.

Governo tenta atrair fábrica de celulose

Indiferente à polêmica, Miracema já tem 220 hectares de floresta plantada de eucalipto, mas isso ainda é pouco. O município tem a pretensão de se transformar num corredor verde, ligando o Noroeste do Estado do Rio de Janeiro à Região Norte Espírito Santo, onde a Aracruz Celulose tem sua base industrial.

- Um deserto fluminense está surgindo embaixo do nosso nariz. É nossa obrigação interromper esse processo - defende Carlos Minc, secretário estadual de Meio Ambiente.

Ele é autor da nova lei e também da anterior, que acaba de ser revisada, já que vinha afugentando investimentos privados para outros estados que apresentam legislação mais flexível, como São Paulo e Minas Gerais.

A silvicultura hoje já se estende pelo Sul da Bahia, o Norte do Espírito Santo e o Leste de Minas Gerais. Convencido de que o Rio não poderia ficar de fora desse ciclo econômico, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno, vem fazendo gestões para atrair investimentos privados para uma fábrica de celulose no estado.

- Planejar estrategicamente o Rio é uma iniciativa muito bem-vinda - avalia Celso Manzato, chefe de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Apesar da saraivada de críticas que a nova lei vem recebendo, ele defende a silvicultura como um cultivo adequado ao estado.

EUCALIPTO GARANTE RETORNO E ATRAI PRODUTOR DO RIO, na página 30