Título: Questões para Robert
Autor: Stiglitz, Joseph
Fonte: O Globo, 23/06/2007, Opinião, p. 7

A demissão de Paul Wolfowitz do Banco Mundial resolveu um problema, mas criou outro. Quando seu nome foi mencionado como candidato a presidente do principal banco de desenvolvimento do mundo, a idéia de recompensar o arquiteto do fracasso americano no Iraque foi recebida com incredulidade. Mas, como desde o início de seu governo o presidente George W. Bush buscou minar instituições multilaterais e acordos, a indicação de Wolfowitz parecia fazer parte desse esforço.

Deve agora Bush, um presidente sem prestígio e sem apoio interno e externo, ter nova chance de indicar o novo presidente? Ele já demonstrou sua falta de critério. Por que dar-lhe outra chance?

Os argumentos contra o antigo sistema - pelo qual os EUA indicam o presidente do Banco Mundial e a Europa, o chefe do FMI - são especialmente oportunos agora. Que eficácia terá o Banco na promoção da boa governança e do combate à corrupção se seu presidente é escolhido num processo com tantas falhas? Que credibilidade terá uma mensagem anticorrupção enviada por alguém indicado por um dos governos mais corruptos e incompetentes na história americana?

Como lembraram vários presidentes de comissões do Congresso americano, é do interesse dos EUA que o Banco seja liderado pela pessoa mais qualificada, selecionada em processo aberto e transparente, independentemente de nacionalidade, gênero ou raça. Isto requer mudança na forma como o presidente é escolhido e, nas primeiras audiências no Congresso sobre o Banco Mundial em 13 anos, eu, como todos os demais depoentes, defendi essa reforma decisiva.

Nomeações presidenciais para altos postos no governo americano são sujeitas a audiências públicas. Independentemente de o antigo processo ser mantido - mas especialmente se o for - o conselho diretor do Banco deveria realizar audiências públicas sobre o indicado por Bush para substituir Wolfowitz.

Eis algumas questões - com algumas dicas sobre respostas certas e erradas - que qualquer candidato proposto para a presidência do Banco, incluindo o indicado de Bush, Robert Zoellick, deveria responder.

Você acredita que o presidente do Banco Mundial deveria pôr o interesse dos países em desenvolvimento em primeiro lugar? Pressionará para que Europa e América eliminem seus subsídios agrícolas? Advogará um ciclo de desenvolvimento que dará ênfase à liberalização dos mercados de trabalho em relação aos mercados de capital, a eliminação das barreiras não-tarifárias que mantêm produtos de países em desenvolvimento fora dos países industrialmente mais avançados, e a abolição da chamada escalada tarifária, que impede o desenvolvimento?

Durante a presidência de James Wolfensohn, houve uma mudança de filosofia. Nós encorajamos políticas baseadas em pesquisas, mesmo quando essa pesquisa é crítica de políticas sendo executadas por alguns países desenvolvidos e até pelo Banco. Quando nossa pesquisa mostrou que algumas políticas (como os subsídios agrícolas) estavam prejudicando países em desenvolvimento, publicamos as conclusões, ajudando a redefinir o debate.

Você apoiará a iniciativa de países em desenvolvimento de ter um regime de propriedade intelectual voltada para o desenvolvimento?

O que separa os países em desenvolvimento dos desenvolvidos não é apenas o gap em recursos, mas também o gap em conhecimento. O Banco deveria ser encarado, em parte, como um Banco do Conhecimento, e deveria defender reformas que aumentem o acesso dos países menos desenvolvidos ao conhecimento. Acesso a remédios genéricos é essencial para que países em desenvolvimento, com suas limitações orçamentárias, melhorem a saúde da população. TRIPs, as provisões sobre propriedade intelectual da Rodada do Uruguai, foram concebidas para reduzir o acesso aos genéricos - e foram bem-sucedidas. Mas, por pior que sejam as TRIPs, os acordos comerciais bilaterais que Bush vem defendendo são piores. Qualquer candidato que diga representar os interesses de países em desenvolvimento deve se afastar dessas políticas.

Você trabalhará para redefinir os critérios pelos quais os países têm acesso aos fundos?

Hoje, o dinheiro vai para países que não são nem os mais necessitados nem o que mais efetivamente podem usá-lo. Estar de acordo com as práticas atuais - sobre privatização e liberalização, por exemplo - pode render pontos em "boa governança", e assim aumentar a alocação de recursos, embora ao custo de reduzir a eficácia da ajuda.

Acredita que países corruptos devem ser excluídos da ajuda do Banco? Em caso positivo, trabalhará para isso de forma consistente? Se não, como deveria o Banco agir? Apoiará uma agenda anticorrupção abrangente, incluindo o fechamento de contas bancárias secretas?

Um dos problemas da agenda anticorrupção de Wolfowitz foi admitir o prosseguimento da ajuda a países favorecidos pelo governo Bush, como Iraque e Paquistão, independentemente de quão corruptos fossem, enquanto havia menos tolerância em relação a outras nações. Problemas em relação ao Uzbequistão foram tolerados - até que o país caísse em desgraça com os EUA. Da mesma forma, o governo Bush se opôs à iniciativa da OCDE para restringir o segredo bancário - até se dar conta de que contas secretas ajudam a financiar terroristas. Desde então, mostrou que pode fechar contas secretas, mas decidiu fazê-lo apenas em relação a terroristas.

Acha que o Banco Mundial deveria fazer mais para incentivar países a adotar padrões trabalhistas mínimos?

Não só o Banco não tem sido ativo na promoção desses padrões acertados globalmente, como há uma preocupação de que ele desencoraje negociações coletivas e proteção aos trabalhadores quando fala sobre "mercados de trabalho flexíveis" e condições propícias ao investimento privado. O antigo sistema de escolha do presidente do Banco precisa mudar. Já fez estragos demais. Mas, se os países industrialmente avançados que controlam o Banco se recusarem, pelo menos deveriam adotar um processo mais transparente. Audiências públicas seriam um passo na direção certa.

JOSEPH STIGLITZ é economista. © Project Syndicate.