Título: 2/3 mais 1/3
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 19/06/2007, O Globo, p. 2

Muito se conversou, mas pouco se avançou, de quarta-feira para cá, em busca de um acordo para salvar a reforma política atropelada pela repentina mudança de posição do PSDB e pela inusitada indisciplina de parte do PT. Hoje, na reunião de líderes, o relator da reforma, deputado Ronaldo Caiado (DEM--GO), deve apresentar uma fórmula híbrida, pela qual dois terços das Casas legislativas seriam eleitos pelo voto em lista fechada e um terço pelo sistema atual, de lista aberta.

Esta fórmula é diferente da outra que vinha sendo discutida, a do voto em lista flexível, que funciona em alguns países europeus. Nessa modalidade, o eleitor vota na chapa completa do partido, mas tem a chance de influir na ordenação dos nomes, indicado seu candidato preferido. Com essa, Caiado não quer acordo. Acha que dá no mesmo. Para melhorar de posição na lista, e garantir a eleição, os candidatos acabariam fazendo campanhas individuais, buscariam para isso o financiamento privado e manteriam a competição intrapartidária.

A fórmula que sugere parece não ter similar no mundo. Alguns países, com destaque para a Alemanha, praticam o sistema misto, mas entre voto proporcional e majoritário. É o distrital misto. O nosso seria misto de lista fechada com lista aberta. Os dois terços de candidatos que concorreriam pela lista partidária preordenada teriam direito ao financiamento público de campanhas, mediante a transferência de recursos diretamente ao partido, que batalharia por toda a lista. O outro terço de candidatos continuaria tendo de buscar o financiamento privado e não teria acesso à verba pública. A fórmula de Caiado ainda não estava inteiramente fechada ontem, segundo líderes a quem ele apresentou verbalmente o esboço. Um sistema desses exige ajustes diversos, que vão do cálculo do quociente eleitoral à regra de propaganda.

A fórmula tem, para o DEM, o PT, o PCdoB, boa parte do PMDB e outros partidos, a vantagem de garantir o financiamento público também para os concorrentes a cargos executivos. Para os Democratas, essa é uma espécie de alforria, à medida que facilita o lançamento de candidato próprio a presidente da República e do maior número de candidatos a governador, independentemente de aliança com um grande partido. Eles acham que, quando mudaram repentinamente de posição na semana passada, a bronca dos tucanos não era com a lista fechada, e sim com o financiamento público. Tendo dois candidatos a presidente viáveis, Serra e Aécio, não gostariam de ver ampliado o raio da disputa em 2010, com o ingresso de mais partidos e candidatos na briga.

O PT pode não precisar tanto do financiamento público para seus candidatos majoritários, mas teria mais facilidade para financiar suas campanhas legislativas. Para seu ex-líder Henrique Fontana, o partido nunca enfrentou problemas de ordem ética enquanto não teve acesso às grandes fontes privadas de financiamento. A seu ver, o financiamento público torna todos os partidos mais imunes ao vírus do caixa dois, das relações espúrias com financiadores e de desvãos como aquele em que Delúbio Soares e Marcos Valério jogaram o PT.

Mas, como parece ter se tornado de mau tom ser contra o financiamento público e a favor do financiamento privado, por todo o mal a ele associado, os tucanos levantaram restrições à lista fechada e passaram a defender o distrital misto. Uma desculpa maximalista - do gênero pedir o máximo para que nem o mínimo seja aprovado - já que essa mudança exige reforma constitucional.

Os tucanos mantinham ontem o discurso contrário ao voto em lista, flexível ou não. Se o caso deles é mesmo com o financiamento público, dificilmente aceitarão a proposta híbrida de Caiado. Se a maioria dos partidos topá-la, podem ficar isolados. Mas tanto quanto é desaconselhável aprovar medidas tão relevantes por maioria escassa, também é inconveniente aprovar a reforma deixando de fora do acordo um partido com a representatividade do PSDB.