Título: Adiamento estratégico
Autor: Vasconcelos, Adriana e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 16/06/2007, O País, p. 3

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS

Após nova denúncia, Renan articula, e Conselho de Ética deixa decisão para semana que vem.

Acuado pelas novas denúncias de que teria usado notas frias de venda de gado para justificar rendimentos que declarara, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não conseguiu, como havia planejado, enterrar ontem o processo contra ele no Conselho de Ética. Mesmo na condição de réu, arregimentou uma tropa de choque e comandou, do gabinete da presidência da Casa, a estratégia que resultou na suspensão da votação do parecer do relator Epitácio Cafeteira (PTB-MA), que deverá ser retomada na próxima terça-feira.

Na tentativa de dar credibilidade à sua versão e não correr o risco de ver o arquivamento do processo rejeitado pelo Conselho, Renan acabou sendo obrigado a fazer também algumas concessões, a contragosto. Para não arquivar o caso sem investigação, o Conselho aceitou sua sugestão de adiar a sessão, fazer uma perícia, em apenas um dia, nos documentos e ouvir os depoimentos do lobista Cláudio Gontijo, da Mendes Júnior, e do advogado Pedro Calmon Filho, que representa a jornalista Mônica Velloso, com quem o senador tem uma filha. A perícia será feita pela Polícia Federal, por decisão do presidente do Conselho de Ética, Sibá Machado (PT-AC).

Advogado de Mônica vai depor segunda-feira

Cláudio Gontijo, intermediário de repasses para Mônica, que já havia prestado depoimento na semana passada na Corregedoria do Senado, será ouvido pelo Conselho às 14h30m de segunda-feira. O advogado está disposto a atender ao convite, mas antecipou que pedirá ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), César Vieira, que o acompanhe.

- Essa é uma tentativa de violação do meu sigilo profissional - justificou, acrescentando que, se sua cliente fosse convidada a depor, ele a aconselharia a aceitar, mas desde que houvesse justificativa para a audiência.

- O senador está usando a mãe de sua filha como escudo para não dar as explicações que lhe são cobradas.

Com cópias, em mãos, de cheques nominais emitidos pelas empresas que teriam adquirido suas cabeças de gado, notas fiscais da compra de vacinas contra a febre aftosa e guias de transporte de gado emitidos pelo Ministério da Agricultura, Renan e seus aliados tentaram, primeiro, garantir a votação do relatório de Cafeteira, que recomenda o arquivamento do processo.

Logo na abertura da reunião do Conselho, Jucá exibiu os novos documentos apresentados pelo presidente do Senado e tentou convencer o plenário de que as novas denúncias não teriam relação com a representação feita pelo PSOL. Mas não convenceu.

Os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Jefferson Peres (PDT-AM) - autores dos três votos em separado que foram apresentados ontem - insistiram na necessidade de realização de uma perícia nos documentos e de pelo menos dois depoimentos.

- Vamos ter de votar às cegas? Estaremos com um tremendo pé de frango na garganta. Será osso para todo lado. Se votarmos sim, inocentamos sem investigar. Se votarmos não, condenamos sem investigar - alertou Demóstenes, defendendo o adiamento e a aprovação do voto em separado.

Sentindo o clima da reunião pesar, Jucá anunciou que acabara de receber uma ligação de Renan propondo a suspensão da votação do relatório de Cafeteira, sem prejuízo dos votos em separado, para que fosse feita "uma perícia paralela" nos documentos de defesa apresentados por ele. A iniciativa foi prontamente aceita pela maioria, entre eles o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

- Este é o caminho. Não há um clima de guerra, diria que há até uma torcida pelo presidente do Senado. Eu ponho a mão no fogo por ele. Bem, botar a mão não digo, mas eu confio nele! - disse Simon, provocando risos.

- A proposta do Jucá foi um avanço. Vi os documentos de Renan, mas uma perícia lhe dará legitimidade. Não me parecem coisas perdidas. Torço pelo senador. Sou tucano, não ave de carniça - acrescentou o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM).

O relator do processo foi o único que se posicionou contra o adiamento. Cafeteira se mostrava irredutível mesmo diante dos inúmeros apelos dos colegas de plenário. Ciente de que a resistência do relator à realização da perícia tiraria a credibilidade de sua nova estratégia, Renan, então, apelou para a mulher de Cafeteira, que ligou para o marido pedindo que aceitasse a proposta. Jucá acrescentou que o presidente do Senado também concordava com o depoimento de pelo menos duas testemunhas.

O senador José Nery (PSOL-PA) propôs que a perícia fosse realizada pela Polícia Federal e pela Receita Federal. Jucá apressou-se em esclarecer que a perícia não seria "contábil", mas investigaria apenas a autenticidade dos documentos.

- Vamos fazer uma prova de autenticidade dos documentos e não uma perícia contábil das empresas. Isso seria o caos - salientou o líder do governo.

O prazo exíguo para a realização da perícia preocupa.

- A prioridade é a perícia. Se não for concluída até terça-feira, a votação pode ser adiada novamente - advertiu o líder do PSB, senador Renato Casagrande (ES).

O advogado do presidente do Senado, Eduardo Ferrão, orientou seu cliente a não distribuir para a imprensa os documentos usados em sua defesa. Sua avaliação foi a de que, ao distribuir notas, cheques e extratos, estaria estimulando novos questionamentos à sua defesa.