Título: Apagão de mão-de-obra freia avanço do Brasil
Autor: Rodrigues, Luciana e Baltazar, Ana Paula
Fonte: O Globo, 15/05/2007, Economia, p. 23

Empresas têm dificuldade de contratar profissionais para serviços à distância e até reduzem investimento tecnológico.

RIO e PEQUIM. O avanço recente do Brasil no mercado global de prestação de serviços à distância já encontra entraves na baixa qualificação profissional dos brasileiros. Segundo analistas, o Brasil começa a viver um "apagão de mão-de-obra", com firmas tendo dificuldade de encontrar profissionais aptos a preencherem suas vagas.

O problema afeta inclusive o investimento em tecnologia. Em pesquisa feita pela London Business School, quando perguntadas por que não adquiriam mais tecnologia de informação, 40% das firmas brasileiras responderam que era "importante" ou "muito importante" nessa decisão o fato de não disporem de profissionais habilitados. Entre empresas indianas, o percentual que não investe por preocupações com a mão-de-obra foi de 20%. Foram ouvidas 500 firmas do Brasil e da Índia.

- Frente ao retorno que a automação proporciona, o investimento em tecnologia é baixo. No Brasil, um motivo muito citado é a qualidade do trabalhador - explica Naercio Menezes Filho, economista da USP, um dos autores da pesquisa.

Brasileiros têm pouca experiência internacional

A falta de experiência no exterior, seja de estudo ou trabalho, é uma das deficiências na formação dos brasileiros, principalmente para desempenhar cargos de gerência e conduzir a expansão das atividades internacionais das empresas. Em 2003, 17 mil brasileiros com formação superior estudavam no exterior. Na Índia, eram 104 mil e na China, 258 mil. Além disso, só 156 brasileiros concluíram doutorado em ciências ou engenharia nos EUA em 2005, contra 3.448 da China e 1.103 da Índia.

Mas as falhas na educação dos brasileiros começam antes mesmo da graduação. Menezes Filho lembra que há mais vagas nas universidades do que candidatos disponíveis. O número de matrículas no ensino médio, que crescia desde a década de 90, entrou em estagnação em 2003.

- Isso sem falar na baixa qualidade da educação. O ensino técnico profissionalizante seria um caminho útil, porque aproxima os jovens do mercado de trabalho. O novo plano do governo para educação prevê mais vagas nessa área, mas em quantidade insuficiente - diz.

Para Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, é preciso reformular o modelo de treinamento dos trabalhadores, inclusive no que se refere à fonte de recursos - os programas do Sistema S, sustentados por tributos na folha de pagamento:

- O desemprego foi alto nos últimos anos e, por isso, a falta de profissionais qualificados não era percebida. Agora, com a aceleração do crescimento, vamos ter um apagão de mão-de-obra.

A falta de profissionais qualificados no mercado já é um problema para a paulista BRQ, uma das maiores empresas brasileiras de software de gestão do conhecimento financeiro. A firma tem 300 vagas abertas e encontra dificuldades para preenchê-las. Para os postos, exige curso superior em faculdades de tecnologia (completo ou em andamento), inglês fluente e domínio de sistemas de programação. Hoje tem 1.800 funcionários, 80% deles com ensino superior, e salário médio de R$3.500.

Os serviços da BRQ são exportados principalmente para os Estados Unidos. Nesse mercado global, o Brasil, segundo o presidente da empresa, Benjamin Quadros, vai na carona da Índia, que mal consegue atender à demanda externa por serviços tecnológicos.

- Nosso custo do trabalho é 30% maior que o indiano, mas temos mais experiência bancária. Na Índia, a demanda é tanta que há troca total do quadro de pessoal em um ano, e o governo já pensa em taxar o setor.

Na China, 300 milhões falam ou estudam inglês

Na BRQ, 16% do faturamento, ou US$15 milhões este ano, vêm das vendas externas.

- Para 2011, esperamos chegar a um faturamento de R$800 milhões, com 20% vindos das exportações de serviço.

Em sua trajetória de crescimento no exterior, a BRQ vai encontrar concorrentes de peso. Segundo Savio S. Chan, consultor do Outsourcing Institute nos EUA, a China caminha a passos largos nesse mercado. A IBM assinou um acordo no país para treinar cem mil especialistas em software nos próximos três anos. E a Microsoft gastou US$750 milhões em um centro de pesquisa que vai expor engenheiros da China à tecnologia da empresa. "A China vai se tornar em breve o maior mercado de outsourcing (prestação de serviços à distância) de tecnologia da informação do mundo", diz Chan em um estudo recente.

A China investe pesado na formação de mão-de-obra. Existem hoje no país 300 milhões de chineses estudando ou falando inglês, segundo o governo. Desde 2000, quadruplicou o número de formandos em universidades: de 1 milhão para 4 milhões.

O diretor-executivo do Programa de Investimentos Internacionais da Universidade de Columbia, Karl Sauvant, diz que o segredo do modelo chinês é planejar rigorosamente a formação da mão-de-obra:

- A China tem uma política educacional muito consistente de treinar o tipo de profissional necessário para trabalhar na economia moderna.

(*) Correspondente