Título: O novo modelo econômico da China
Autor: Stiglitz, Joseph
Fonte: O Globo, 06/05/2007, Opinião, p. 7

Osucesso da China, desde que ela começou sua transição para uma economia de mercado, baseou-se em estratégias e políticas adaptáveis: à medida que cada conjunto de problemas é resolvido, novos problemas aparecem e novas políticas e estratégias devem ser traçadas. Esse processo inclui inovação social. A China compreendeu que não poderia simplesmente adotar instituições econômicas que deram certo em outros países; pelo menos, elas tinham de ser adaptadas aos singulares problemas chineses.

Hoje, a China está discutindo um ¿novo modelo econômico¿. Decerto, o modelo antigo foi um grande sucesso, produzindo um crescimento anual de quase 10% durante 30 anos e tirando centenas de milhões da pobreza. As mudanças são visíveis nas estatísticas e mais ainda nos rostos das pessoas.

Visitei recentemente uma remota aldeia Dong nas montanhas de Quizho, umas das províncias mais pobres da China, a milhas da estrada pavimentada mais próxima; mas tinha eletricidade, e ela trouxe não só a televisão, mas a internet. Embora parte do aumento de renda venha de remessas de parentes que migraram para cidades costeiras, os agricultores também tinham melhorado de vida, dispondo de novas lavouras e sementes melhores: o governo vendia a crédito sementes de alta qualidade, com taxa de germinação garantida.

A China sabe que precisa mudar para ter crescimento sustentável. Em todos os níveis há consciência das limitações ambientais, e a percepção de que os padrões de consumo intenso de recursos aceitos nos Estados Unidos seriam um desastre para o país ¿ e para o mundo. À medida que uma parcela crescente da população chinesa se desloca para as cidades, estas têm de ser viáveis, o que exige planejamento cuidadoso, inclusive sistemas de transporte público e parques.

Igualmente interessante é que a China está tentando se distanciar da estratégia de crescimento à base de exportações que seguia antes, juntamente com outros países do Leste asiático. Essa estratégia reforçou a transferência de tecnologia, ajudando a reduzir a defasagem tecnológica e aumentando rapidamente a qualidade dos bens industrializados. Crescimento à base de exportações significava que a China podia produzir sem se preocupar em desenvolver o mercado interno. Mas já se tinha desenvolvido uma reação global. Mesmo países aparentemente comprometidos com mercados competitivos não gostam de sair perdendo, e tendem a lançar acusações de ¿competição injusta¿. Mais importante, mesmo não estando os mercados plenamente saturados em muitas áreas, será difícil continuar mantendo taxas de dois dígitos de crescimento de exportações.

Portanto, algo tinha de mudar. A China estava empenhada no que se poderia chamar de ¿financiamento de compradores¿, fornecendo dinheiro para ajudar a financiar os imensos déficits fiscal e comercial dos EUA, permitindo aos americanos comprar mais produtos do que vendem. Mas esta é uma situação peculiar: um país relativamente pobre está ajudando a financiar a guerra americana no Iraque, assim como cortes de impostos maciços para as pessoas mais ricas no país mais rico do mundo, enquanto necessidades domésticas imensas abrem grande margem para a expansão do consumo e do investimento.

Para enfrentar o desafio de reestruturar sua economia de modo a reduzir o peso das exportações e dos bens que consomem recursos naturais intensamente, a China precisa estimular o consumo. Enquanto o resto do mundo luta para poupar mais, a China, com uma taxa de poupança acima de 40%, tenta fazer seu povo consumir mais.

Proporcionar serviços sociais melhores (programas nacionais de saúde pública, educação e aposentadoria) reduziria a necessidade de poupança ¿por precaução¿. Mais acesso a finanças para empresas pequenas e médias também ajudaria. E ¿impostos verdes¿ ¿ por exemplo, sobre emissões de carbono ¿ mudariam os padrões de consumo, ao mesmo tempo que desestimulariam exportações de produtos que consomem muita energia.

À medida que a China se distancia do crescimento liderado pelas exportações, terá de buscar novas fontes de dinamismo em suas crescentes fileiras do empresariado, o que exige o compromisso de criar um sistema de inovação independente. A China há muito tem investido pesadamente em educação superior e tecnologia; agora, luta por criar instituições de nível internacional. Mas se quer um sistema dinâmico de inovação deve resistir à pressão dos governos para adotar leis pouco sensatas de propriedade intelectual. Deve, em vez disso, buscar um regime de propriedade intelectual equilibrado: como o conhecimento é em si o insumo mais importante na produção do conhecimento, um regime mal concebido de propriedade intelectual pode sufocar a inovação ¿ como tem ocorrido em algumas áreas nos EUA.

A inovação tecnológica no Ocidente focalizou pouco reduzir impactos ambientais e mais em economizar mão-de-obra ¿ algo de que a China dispõe em abundância. Assim, faz sentido que os chineses concentrem seu progresso científico em tecnologias que consumam poucos recursos. Mas é importante ter um sistema de inovação (inclusive um regime de propriedade intelectual) que assegure ampla difusão dos avanços na tecnologia. Isso pode exigir abordagens inovadoras, muito diferentes dos regimes de propriedade intelectual baseados em privatização de monopolização do conhecimento, com os conseqüentes preços altos e benefícios restritos.

Muita gente acha que a economia é um jogo de soma zero, e que o sucesso da China ocorre às custas do resto do mundo. Sim, o crescimento rápido da China é um desafio ao Ocidente. A competição forçará alguns a trabalhar duro, a se tornarem mais eficientes ou a aceitar lucros mais baixos.

Mas a economia é um jogo de soma positiva. Uma China cada vez mais próspera não só tem importado mais de outros países como tem fornecido bens que têm mantido os preços mais baixos no Ocidente, apesar da alta do petróleo. Essa pressão de baixa sobre os preços permitiu aos bancos centrais ocidentais perseguir políticas monetárias expansionistas, estimulando emprego e crescimento.

Devemos torcer pelo êxito do novo modelo econômico da China, com o qual todos teremos muito a ganhar.

JOSEPH STIGLITZ é economista. © Project Syndicate.