Título: Canhedo, dono da Vasp, agora voa de TAM
Autor: D'ERcole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 29/04/2007, Economia, p. 32

Empresário acompanha recuperação judicial da companhia, enfrenta ações trabalhistas e toca empresas de ônibus.

SÃO PAULO. Longe dos bons tempos em que se deslocava quase diariamente em um dos seus jatos particulares entre Brasília e São Paulo, como presidente da Vasp - então uma das quatro grandes companhias aéreas do país -, o empresário Wagner Canhedo encara hoje uma rotina bem mais árida. Todas as manhãs, muitas vezes a bordo de um carro que ele próprio conduz, dirige-se para a sede da Viação Planalto (Viplan), no Setor de Oficinas da capital federal, onde dá expediente.

Além da Viplan, ele é dono de outras duas empresas de ônibus e de uma transportadora. Mas, além de tocar o dia-a-dia dos negócios, Canhedo despende grande parte do seu tempo em reuniões com advogados, que defendem o empresário e suas companhias em milhares de processos que correm na Justiça.

Para São Paulo, Canhedo viaja com certa regularidade, sempre na companhia do filho César e a bordo de vôos da TAM, para despachar com advogados que cuidam do processo de recuperação judicial da Vasp. O empresário não põe os pés na companhia desde março de 2005, quando a Justiça o afastou da presidência e determinou a intervenção na empresa.

- Ele tem todo o interesse em que a recuperação seja bem-sucedida e, como principal acionista, muitas etapas do plano de recuperação não podem ser levadas adiante sem sua anuência - diz Arnoldo Wald Filho, sócio de um dos três escritórios de advocacia que defendem os interesses da Vasp no processo de recuperação.

A situação é muito complicada. Somente em ações trabalhistas, são mais de dez mil processos contra a empresa, além de credores que vão de pequenos fornecedores a grandes arrendadores internacionais de aeronaves tentando receber parte de uma fatura que, estima-se, supera R$3,5 bilhões. O valor não inclui as dívidas com o INSS e o Fisco.

Em 2004, Canhedo chegou a passar 30 horas preso na sede da Polícia Federal de Brasília, por não quitar débitos da Vasp com órgão federais - na época, cerca de R$885 milhões com o INSS e R$203 milhões em outros impostos não recolhidos pela empresa à Receita Federal.

O empresário e seus advogados ainda se desdobram para barrar uma Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP), que resultou no bloqueio de todos os seus bens e de seus filhos. Em dezembro do ano passado, Canhedo evitou que seu patrimônio começasse a ser leiloado por força de uma liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No mês passado, o MPT-SP recorreu ao STJ para cassar a liminar.

Além do patrimônio da Vasp, que inclui equipamentos e muitos imóveis - entre eles uma área valiosa em Congonhas -, Canhedo tem como trunfo no plano de recuperação da empresa uma ação contra a União, por perdas com o congelamento de tarifas aéreas durante o Plano Cruzado, na década de 80.

Na semana passada o STJ deu ganho à Varig em ação idêntica, que já foi vencida no Supremo Tribunal Federal (STF) pela finada Transbrasil. Essa ação, se vitoriosa, renderia cerca de R$2 bilhões ao caixa da Vasp. A questão é o tempo que levará para ser julgada.

- Se resolver isso, Canhedo resolve 80% da recuperação da Vasp - diz um especialista que acompanha o processo.

Ministério Público do Trabalho criou grupo para rastrear bens

Não há céu de brigadeiro para o empresário também em Brasília. Em março, Wagner Canhedo Filho, que preside a Viplan e o Sindicato das Empresas de Ônibus do Distrito Federal, foi condenado a um mês e cinco dias de prisão por irregularidades na venda de passes escolares. Com os bens do empresário bloqueados pela Justiça, e um histórico de devedor contumaz de tributos federais, as empresas de ônibus do empresário têm problemas.

Até poucas semanas atrás, a Viplan não estava conseguindo financiamento para a aquisição de 160 ônibus, para atender a uma determinação da Procuradoria Distrital dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, órgão que pede na Justiça a cassação da concessão da empresa.

- Assim como todas as empresas de ônibus do Distrito Federal, a Viplan não tem licença, e o serviço que presta é péssimo - diz a procuradora distrital do Distrito Federal, Ruth Kicis. - Além de usar ônibus com mais de 20 anos na frota, não atende às linhas a ela designadas e enfrenta milhares de processos pelo descaso com os usuários.

Canhedo não respondeu às solicitações do GLOBO para entrevistá-lo. Aos 71 anos, o empresário, que é tido como "muito centralizador", nas palavras de um executivo que já trabalhou com ele e acompanha de perto o dia-a-dia de seus negócios, que incluem ainda uma empresa de táxi aéreo, um frigorífico e fazendas. No início desta década, quando a Vasp começou a dar sinais da pane que a obrigaria a parar de voar em janeiro de 2005, estimava-se que o patrimônio do grupo de Canhedo se aproximava de R$1 bilhão. Cifra que nenhum especialista, hoje, arrisca estimar.

Tanto que, numa iniciativa sem precedente, o MPT-SP chegou a criar um grupo especial exclusivamente para rastrear e tentar identificar país afora bens e empresas em que Canhedo e seus filhos teriam participação. Em meio a esse turbilhão, o empresário não se furta de refugiar-se na fazenda que tem no Araguaia, em Goiás. "Coisa de primeiro mundo", como gosta de elogiar sua propriedade favorita.