Título: A CPI do apagão das CPIs
Autor: Gaspari, Elio
Fonte: O Globo, 18/04/2007, Opinião, p. 7

A CPI do Apagão Aéreo arrisca se transformar numa comissão parlamentar de inquérito para investigar a teatralidade truculenta e inútil das CPIs. Uma reedição das malandragens que armaram a pizzaria de 2005 inocentará o governo e avacalhará o instituto da investigação parlamentar.

Em 2005, quando Roberto Jefferson detonou o esquema do mensalão numa entrevista à repórter Renata Lo Prete, havia novidade na denúncia.

Podia-se supor que seis comissões parlamentares de inquérito lançassem luz sobre as propinas das campanhas eleitorais e das votações no Congresso. As luzes se acenderam, viram-se as caixas-companheiras de Duda Mendonça, a cabeça tucano-petista de Marcos Valério e o olhar mortiço de Delúbio Soares. Depois disso, deu-se um acordão, apagaram-se as luzes, acendeu-se o forno e tudo acabou em pizza. Há inquéritos e processos em andamento, mas eles nada devem ao teatro das CPIs.

Nosso Guia gosta de contar a história do sujeito que vai à cozinha de madrugada para pegar uma Coca-Cola, abre a geladeira e, ao ver a luz se acender, começa a discursar. As CPIs de 2005 foram pouco mais que isso.

A CPI do Apagão começa com um truque. Todas as mutretas que confluirão ao seu plenário já estão sendo investigadas pela Controladoria Geral da União, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público. Os sigilos fiscais e bancários de um ex-presidente e da diretora de engenharia da Infraero já foram quebrados. Os funcionários sob investigação chegam a vinte, as malfeitorias talvez sejam umas cinqüenta. Nelas se misturam a Infraero, companhias aéreas, empreiteiras e fornecedores de equipamentos de uso civil e militar. Ao contrário do que sucedeu com o mensalão, a investigação já existe e deu frutos. É possível que já se tenha ido mais longe sem CPI no caso Apagão do que com CPI no mensalão.

O aeroporto de Congonhas, com 1.900 metros de pista, está condenado desde 1985. Nos últimos dez anos, a Viúva gastou perto de R$500 milhões reformando o shopping center da Infraero e atendendo aos interesses das companhias aéreas. Isso aconteceu porque Nosso Guia gosta de inaugurações, empreiteiros gostam de obras e a turma da boquinha precisa de lojas.

O material disponível nos inquéritos em andamento é suficiente para que a Oposição, numa rotineira atuação parlamentar, faça suas denúncias da tribuna da Câmara e do Senado. A turma do discurso de geladeira prefere uma CPI porque é só abrir a porta e as luzes se acendem.

Com seus depoimentos extenuantes e inquirições vexatórias, as CPIs de 2005 policializaram a prática parlamentar da oposição. O desfecho mostrou que houve um teatro no qual o PSDB e o PFL faziam o papel de polícia, e os depoentes, de bandidos. Se tivesse acabado em cadeia, tudo bem. Tendo acabado em pizza, ficou a platéia no papel de boba e a imprensa no de bumbo.

O descalabro das malfeitorias aéreas justifica a formação de uma CPI, e a simples preocupação do governo em evitá-la sugere a sua necessidade, mas as bancadas oposicionistas entrarão em campo num cenário diferente. Em vez de serem vistas como polícia correndo atrás de bandido, serão examinadas como deputados (ou senadores ) atrás de fama à custa do constrangimento alheio. A CPI do Apagão será também uma CPI das CPIs. Uma boa oportunidade para que a patuléia verifique se a estão fazendo novamente de boba.

ELIO GASPARI é jornalista.