Título: DOHA É OPORTUNIDADE DE UMA GERAÇÃO
Autor: João Ubaldo Ribeiro
Fonte: O Globo, 10/09/2006, Opinião, p. 7

Apesar do recente colapso nas negociações da OMC, líderes empresariais americanos de todos os setores econômicos, especialistas em desenvolvimento e economistas de todas as tendências continuam a considerar a Agenda de Desenvolvimento de Doha a oportunidade desta geração para tirar milhões de pessoas da pobreza e criar amplas oportunidades econômicas para outras tantas com o aumento dos fluxos de comércio de serviços e de produtos agrícolas e industriais.

Está claro que os Estados Unidos continuam empenhados em concluir com sucesso as negociações comerciais multilaterais da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio. Os Estados Unidos desempenharam papel de liderança na Rodada Doha ajudando no seu lançamento em 2001, revigorando-a em 2004 após a rodada ter beirado o colapso na reunião ministerial de Cancún em 2003 e, em seguida, revitalizando-a com uma oferta ambiciosa sobre comércio agrícola às vésperas do encontro ministerial em Hong Kong em 2005.

Os líderes empresariais americanos estão entusiasmados com a iniciativa da representante de Comércio dos EUA, Susan C. Schwab, de correr o mundo para conclamar os países a se manterem comprometidos com a rodada de comércio e as metas de desenvolvimento e porque há indícios de que seus esforços podem valer a pena e, finalmente, levar a um avanço.

A embaixadora Schwab visitou o Rio de Janeiro poucos dias após a suspensão das conversações formais da OMC e conversou com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim ¿ que foi um verdadeiro líder em vários sentidos na Rodada Doha ¿, sobre a importância do esforço multilateral.

Em meados de agosto, Schwab trabalhou com ministros do Comércio da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), bem como com autoridades da China, e obteve respostas positivas sobre a importância de colocar a Rodada Doha novamente nos trilhos. Em setembro, ela e o secretário de Agricultura dos EUA, Mike Johanns, irão à Austrália para se reunir com membros do Grupo de Cairns de nações exportadoras de produtos agrícolas. Em novembro, a embaixadora Schwab acompanhará a secretária de Estado, Condoleezza Rice, em um encontro de ministros do Comércio e outros líderes do grupo Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec).

Esses esforços ressaltam princípios fundamentais sobre comércio e desenvolvimento compartilhados por praticamente todos os economistas.

De acordo com o primeiro desses princípios, não há forma melhor de reduzir a pobreza e fomentar o desenvolvimento do que derrubar as barreiras ao comércio de todos os tipos de produtos e serviços. A ajuda é importante, e os Estados Unidos contribuem generosamente com países do mundo todo à medida que buscam construir sua infra-estrutura econômica, mas a ajuda não substitui o comércio. O Banco Mundial apresentou uma estimativa conservadora de US$142 bilhões de aumento na renda dos países em desenvolvimento com a eliminação de barreiras ao comércio de bens. Esse valor ultrapassa a soma dos US$80 bilhões em assistência econômica externa desembolsada pelos principais países industrializados e os US$42 bilhões em alívio da dívida, propostos atualmente pelos países do G-7.

Outro princípio é que maior acesso a mercados, especialmente de produtos agrícolas, é parte essencial dos esforços para impulsionar o desenvolvimento mediante o aumento dos fluxos de comércio. Vários estudos chegaram a essa conclusão. De acordo com estimativa do Banco Mundial, 93% dos benefícios dos países em desenvolvimento resultarão do corte de tarifas sobre produtos agrícolas.

Também entendemos que disciplinar e reduzir subsídios internos que distorcem o comércio deve ser parte de uma estratégia equilibrada para aumentar os fluxos comerciais. Há cerca de 10 meses, os Estados Unidos se dispuseram a fazer mudanças drásticas em seus programas agrícolas e continuam dispostos a oferecer ainda mais para chegar a um bom resultado na Rodada Doha. Mas nossos parceiros comerciais precisam estar dispostos a eliminar tarifas e outras barreiras além do que se propuseram a fazer até agora.

E, conforme rege o terceiro princípio, além de maior abertura de mercados da parte dos países desenvolvidos, é preciso haver mais comércio Sul-Sul para que as metas de desenvolvimento da Rodada Doha sejam alcançadas. Para que Doha tenha sucesso deverá haver contribuições de acesso a mercados por parte dos países em desenvolvimento avançado, onde há grande potencial de benefícios econômicos para tantos outros países em desenvolvimento. Quando 70% das tarifas pagas por países em desenvolvimento vão para outros países em desenvolvimento, evidentemente algo está errado.

As nações em desenvolvimento deveriam adotar esses princípios. O Brasil sempre desempenhou papel construtivo no curso das discussões da Rodada Doha, em especial na reunião ministerial de Hong Kong em dezembro passado e nos meses seguintes.

Mas, para que Doha tenha êxito, o Brasil e outros países em desenvolvimento ¿ que se tornaram competidores de padrão internacional em vários setores ¿ precisam demonstrar mais disposição para abrir seus mercados a produtos agrícolas e industriais e ao setor de serviços de outras nações.

O comércio é uma prática vantajosa para todos. Os Estados Unidos têm demonstrado que mercado aberto e aumento de salários, de produtividade e de opções para o consumidor estão diretamente relacionados. As autoridades de Comércio reunidas no Rio de Janeiro esta semana devem lembrar-se disso quando analisarem as próximas etapas do comércio global.

CAL DOOLEY é presidente da Associação da Indústria de Produtos Alimentícios dos Estados Unidos.