Título: TENDÊNCIAS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 27/07/2006, O País, p. 4

A pesquisa do Ibope divulgada anteontem traz razões de alegria para os dois principais candidatos à Presidência da República. Tem tendências para todos os gostos, como a mostrar que o eleitor brasileiro ainda não decidiu como votar. Um exemplo disso é que 38% dos pesquisados não escolheram seus candidatos de maneira espontânea. Embora a pesquisa do Ibope apresente uma clara tendência de desgaste das intenções de voto do presidente Lula, o presidente do instituto, Carlos Augusto Montenegro, continua achando que Lula pode ser reeleito no primeiro turno: ¿Vamos ficar naquela angústia até o final da campanha para saber se vai dar segundo turno¿, diz ele.

Alguns bancos de investimentos levam em conta nas suas análises a capacidade de comunicação do presidente Lula para apostar na tendência de crescimento de sua candidatura com a propaganda eleitoral na televisão, e não ao contrário. Montenegro enumera alguns pontos positivos para Lula: seu voto está muito cristalizado, na escolha espontânea ele aparece com 32% das intenções, mais que o dobro de Alckmin, que fica com 14%.

No Nordeste, onde vence de 66% a 13%, Lula tem nada menos que 44% de intenções espontâneas de voto, o que sinaliza que vai ser muito difícil Alckmin quebrar essa barreira, montada especialmente com o Bolsa Família, mas certamente sustentada pela política de aumento real do salário-mínimo combinada com o crédito consignado. Os efeitos econômicos dessas medidas fazem com que regiões do Nordeste tenham crescimento chinês, o que neutralizaria a influência dos caciques políticos regionais, hoje na sua maioria engajados na campanha de Geraldo Alckmin.

Mesmo Alckmin tendo melhorado sua situação, indo de 8% na pesquisa do mês passado para 13% hoje, Lula manteve sua posição estável, variando, dentro da margem de erro, de 68% para 66%. Essa será a grande mudança de paradigma nestas eleições, caso Lula seja reeleito principalmente pela penetração que conseguiu no Nordeste. Na análise dos tucanos, não há eleição no Brasil que tenha revelado disparidades regionais como as que as pesquisas eleitorais mostram hoje.

Lula vence em todas as regiões, segundo o Ibope, mas a diferença vem sendo reduzida, tanto pela queda de Lula quanto pelo crescimento de Alckmin, o que significa uma tendência: no Norte/Centro-Oeste, Lula tem 39% a 31%, mas Alckmin vinha de 14% e Lula tinha 51%; no Sudeste, Alckmin subiu de 26% para 34% e Lula ficou estável em 37%; no Sul, Lula tinha 38% e hoje tem 33%, enquanto Alckmin subiu de 20% para 27%.

Para compensar a força de Lula no Nordeste, que representa 27% do eleitorado brasileiro, Alckmin teria que abrir vantagem sobre Lula nas regiões Sul e Sudeste, que juntas formam 60% do eleitorado. O desgaste de Lula é generalizado, com exceção do Nordeste, e o debate ético que será aprofundado na televisão é, na análise dos oposicionistas, o responsável por essa mudança de atitude do eleitor nas regiões Sul e Sudeste, que já começa a ser apontada pelas pesquisas.

Os coordenadores da campanha de Alckmin acham que a tendência a seu favor nessas regiões se firmará e influenciará o voto do Nordeste, mas este é um paradigma tradicional da política brasileira que está sendo posto à prova nestas eleições. Por enquanto, Lula mostra também uma força eleitoral bastante consistente no Sudeste do país, que representa 45% do eleitorado, apesar do crescimento de Alckmin.

A força eleitoral remanescente de Lula em São Paulo, em Minas e no Rio de Janeiro desafia os líderes oposicionistas que dominam as corridas regionais: o governador Aécio Neves, em Minas, e o PSDB paulista, cujos principais líderes são o próprio ex-governador Geraldo Alckmin, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato a governador José Serra.

Tanto Aécio como Serra tendem a vencer no primeiro turno, mas não repassam seu potencial de votos para o candidato tucano à Presidência. No Rio, o PMDB vence no primeiro turno com larga margem, mas não consegue neutralizar a força eleitoral de Lula, que tem no PT um partido inexistente em termos eleitorais no Rio.

Mas há outros sinais de alerta para Lula na pesquisa Ibope: a avaliação positiva (¿ótimo/bom¿) do governo Lula caiu de 44% para 39%, e a negativa (¿ruim/péssimo¿) subiu de 19% para 23%. Somada à redução das intenções de voto, tem-se o desenho de uma tendência eleitoral consistente.

A realização ou não do segundo turno depende também de quão consistente será a performance da senadora Heloísa Helena, do PSOL, e, mais que isso, de que tipo de eleitor ela estará atraindo. Seu crescimento para a casa dos dois dígitos, detectado pela última pesquisa Datafolha, foi confirmado pelo Ibope dentro da margem de erro da pesquisa: Heloísa teve 8% e pode estar com os mesmos 10% do Datafolha. Mas pode também ter estancado ou estar caindo, devido à sua agressividade.

A senadora Heloísa Helena parece estar atraindo os petistas desiludidos com o governo Lula, os que pretendiam anular o voto e aderem ao mote ¿não vote nulo, vote nela¿ e também uma parcela da classe média que busca uma alternativa eleitoral que represente a ética na política, voto que já foi de Lula em 2002.

No caso de um segundo turno entre Lula e Alckmin, os eleitores de Heloísa Helena tendem a mudar o voto para Alckmin em sua maioria, segundo a pesquisa do Datafolha. Mas o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, chama a atenção para o fato de que uma parte ponderável desses eleitores é também de adversários ferrenhos do PSDB. A discussão sobre o voto útil em Lula pode acontecer antes mesmo do segundo turno, para conseguir esvaziar a candidatura de Heloísa Helena e fazer com que Lula vença ainda no primeiro turno.