Título: ADVOGADO É ACUSADO DE SEQÜESTRO
Autor:
Fonte: O Globo, 12/07/2006, O País, p. 3

Vizinho da família de Lucas era também responsável pela segurança do condomínio

O perigo morava ao lado. O advogado Ademilson Alves de Brito, preso no início de junho, é acusado pela polícia de ter planejado o seqüestro do menino Lucas da Silva, de 6 anos, libertado em São Paulo na noite de segunda-feira após passar 63 dias em cativeiro. Além de vizinho da família da criança, Ademilson era o responsável pela segurança do condomínio onde os pais de Lucas vivem, no município de Arujá. A polícia, que prendeu outras 12 pessoas sob a acusação de participação no crime, começou a desconfiar do advogado quando ele, em visita à família, nos dias seguintes ao seqüestro, ofereceu ajuda financeira para pagar o resgate da criança e disse ter experiência em negociar com seqüestradores.

Dois dos irmãos mais velhos de Lucas eram amigos dos filhos do advogado e disseram à família que os vizinhos costumavam dizer que o pai defendia criminosos de uma facção criminosa. A polícia, que prendeu o advogado com base em escutas telefônicas, investiga essa possibilidade.

Ladrão de carros revelou o local do cativeiro ao ser preso

O resgate de Lucas mobilizou dezenas de policiais, que chegaram ao cativeiro depois de prenderem no domingo em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, o chefe de uma quadrilha de roubo de carros. Foi ele quem indicou o local onde estava a criança, em São Miguel Paulista, na zona leste da capital. Um outro integrante do bando, também preso, é dono de uma loja de celulares. Rogério Nunes é acusado pela polícia de fornecer os aparelhos à quadrilha, que estava se especializando em seqüestros.

O drama de Lucas começou no dia 9 de maio, quando ele chegava de carro à escola, que pertence à sua família, na companhia do irmão mais velho, Bruno, de 21 anos, que, para a polícia, era o principal alvo dos seqüestradores. Os dois foram rendidos por três homens armados e obrigados a entrar em um carro. Na fuga pela Rodovia Ayrton Senna, segundo Bruno, os criminosos se assustaram com a ordem para parar dada por um policial rodoviário e abandonaram o veículo em um posto de gasolina. O irmão mais velho, que estava no porta-malas, conseguiu fugir, O caçula foi levado por um dos seqüestradores. Foram feitos só dois contatos por telefone, o primeiro quase um mês após o seqüestro.

Ao chegarem ontem ao cativeiro, os policiais escalaram o muro da casa e, ao encontrarem Lucas, comemoram o resgate atirando para o alto. Assustado, o menino falou pela primeira vez com a família ainda dentro do carro de polícia. Chorando, disse para a mãe ficar tranqüila:

- Estou bem. Já estou chegando - disse o menino, que chegou a apontar o caminho de casa para a polícia. - Minha casa é aquela ali, com luzes.

Na primeira noite com a família, Lucas foi recebido com festa e pôde comemorar seu aniversário de 6 anos, que ele passou no cativeiro.

- Eles falavam que eu ia ver meus pais no meu aniversário, mas eu não vi. Eu estava com mais saudade da minha família. Eu tinha saudade de ir pra escola, dos meus amigos - disse Lucas.

Parentes e amigos, que lotavam a casa, cantaram parabéns e deram os presentes que estavam guardados, esperando o retorno do menino. No meio da comemoração, que varou a madrugada, Lucas, que perdeu o primeiro dente-de-leite no cativeiro, escapou para o segundo andar e ficou jogando videogame com o irmão mais velho.

- Agora é só alegria, paz, amor e agradecimento. Primeiro a Deus, depois aos policiais que trabalharam no caso- disse o pai do garoto, Robinson José da Silva.

Menino encomenda almoço com batatas fritas e bife

Ontem de manhã, Lucas cortou o cabelo, brincou com o irmão mais velho e fez uma encomenda para o almoço. Queria comer arroz, feijão, batatas fritas e bife. Mais tranqüilo, ao visitar os policiais que o salvaram, contou detalhes do cativeiro:

-Quem cuidava era uma mulher. Eu brincava, ficava jogando videogame o dia todo - contou o garoto, que, em 63 dias de isolamento, não desconfiou em nenhum momento que era vítima de um seqüestro. Ele disse estar esperando os pais "voltarem de viagem".

A mãe de Lucas lamentou que o filho tenha sido enganado pelos bandidos.

- Quando falei para o Lucas que as pessoas que estavam com ele eram bandidos, ele ficou surpreso e me perguntou 'mãe, o pessoal que ficou comigo era ladrão?' Gostaria que eles tivessem falado a verdade para o meu filho. Assim, o Lucas não ficaria com sensação de que a família o abandonou - disse Nádia.

Para Nádia, o importante agora é aproveitar cada minuto na companhia do filho:

- Eu sempre falava para o Lucas que ele era o amor da minha vida. Eu ficava pensando, tomara que ele não esqueça de que é o amor da minha vida.

Apesar do trauma, os pais disseram que não pretendem mudar a rotina da família.

Ontem, outra família em São Paulo comemorou o desfecho de um seqüestro. Em Campinas, foi libertado um menino de 12 anos que ficou quatro dias em poder dos bandidos.

"Eles falavam que eu iria a ver meus pais no meu aniversário, mas eu não vi. Eu estava com mais saudades da minha família, mas também com saudades de ir à escola e dos meus amigos"

LUCAS

Menino que ficou 63 dias em cativeiro