Título: BRASIL PERDEU DOIS ANOS-CHAVE PARA REFORMAS¿
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 09/07/2006, Economia, p. 36

Diretor do Bird que escreveu livro sobre o país, Vinod Thomas alerta para urgência de avanços socioeconômicos

Um ano depois de deixar a diretoria do Banco Mundial (Bird) para o Brasil para assumir, em Washington, o cargo de diretor-geral de Avaliação da instituição, Vinod Thomas aproveitou uma visita ao Rio para rever algumas impressões sobre o país. Autor de ¿O Brasil visto por dentro¿, obra essencialmente otimista sobre o futuro do país em detrimento de outros emergentes, como a China e sua Índia natal, Thomas agora se preocupa com os avanços modestos da economia nacional durante o período em que esteve fora. Para ele, o Brasil está desperdiçando a grande oportunidade de expandir seu crescimento e melhorar seu quadro social, por não ter feito as reformas que aumentariam a eficiência do Estado. ¿As boas condições (internacionais) acentuam o senso de urgência¿, alerta Thomas, que se prepara para escrever um novo livro sobre o país ¿ dessa vez, visto de fora.

AMÉRICA LATINA: ¿No biênio 2004-2005, o crescimento econômico internacional foi dos mais altos. É esperada uma desaceleração este ano e uma taxa ainda menor em 2007 e 2008. Os países em desenvolvimento vão crescer em média 6%, mas a Ásia terá taxa de 8% e a América Latina, de 4%. Imagine o que será essa diferença de 50% em dez anos! O Brasil está na mesma situação da região, apesar da melhora na situação macroeconômica, da redução no nível de endividamento e da queda da desigualdade. Ainda assim, as projeções de crescimento são conservadoras, porque o investimento direto estrangeiro é baixo comparado ao que a China, por exemplo, recebe; e o clima para investimentos aqui é hostil, pouco atraente.¿

REFORMAS: ¿Era muito importante para o Brasil, para o clima de investimentos, a realização das reformas para reduzir os gastos públicos, especialmente as que envolvem Previdência, mercado de trabalho e o sistema tributário. O Brasil perdeu dois anos-chave. Desperdiçou boas janelas de oportunidade para realizar as reformas. Agora, as condições não são mais tão favoráveis, porque o preço do petróleo subiu e também as taxas de juros internacionais. O petróleo nem tem implicações tão fortes, mas os juros internacionais prejudicam os investimentos no Brasil.¿

COMÉRCIO EXTERIOR: ¿As perspectivas continuam muito favoráveis para o comércio exterior, mas enquanto na China 60% do Produto Interno Bruto (PIB) estão relacionados às importações e exportações, no Brasil o peso é de 30%. Além disso, o Brasil vive uma espécie de paradoxo: as exportações crescem, mas a economia não. O setor exportador não incentiva, não funciona como motor do resto da economia.¿

SOCIAL: ¿A situação ainda é favorável e isso torna mais urgente a realização das reformas dentro do país para melhorar o quadro social. O volume de gastos com educação, saúde e assistência social no Brasil é superior ao de Índia e China. Mas o Brasil está atrás em eficiência e focalização. É urgente aumentar a participação do setor privado nessas áreas.¿

MEIO AMBIENTE: ¿Nos próximos anos, o valor potencial dos recursos naturais do Brasil só vai subir, porque o impacto da destruição global está produzindo valores altos para a proteção do meio ambiente. Os estados de Rondônia e Mato Grosso, especialmente este último, estão degradando demais a Floresta Amazônica. Pesquisadores americanos constataram num estudo que Mato Grosso é o campeão mundial de queimadas. Não existe um fenômeno como este em nenhum outro lugar. A questão urgente para o Brasil é decidir se vai trilhar o caminho da destruição ou da preservação. Papua Nova Guiné e Costa Rica estão pressionando a comunidade internacional para se criar um mercado de proteção (nos moldes do que é feito com créditos de carbono). O Brasil poderia, mas infelizmente não está jogando um papel de liderança desse processo.¿

INVESTIMENTO PRIVADO: ¿Dado o constrangimento do setor público, o setor privado precisa crescer no Brasil. O empreendedorismo no país não é pior do que em outros, mas o volume de investimento privado não é forte. Nessa área, há questões que não avançaram, mas que não dependem de reformas. São ações para diminuir a burocracia que dependem somente de ações do governo. A falta de progresso nessa área do investimento é outro fator que está dificultando o avanço brasileiro.¿

OTIMISMO: ¿Ainda existem oportunidades no cenário mundial, mas o Brasil está parado enquanto a situação em outros países melhorou muito. Este pode ser o primeiro em 55 anos em que a taxa de crescimento do PIB será superior à inflação. Essas boas condições acentuam o senso de urgência para o país fazer o que é necessário. Apesar de tudo, ainda guardo uma sensação de otimismo, porque, ao contrário de outros grandes emergentes, o Brasil tem uma menor pressão de pobreza, instituições fortes, recursos naturais valiosos, empreendedorismo e, principalmente, paz. Todas são condições necessárias, mas sozinhas não garantem nenhum avanço.¿