Título: Advogado insinua que deputados são malandros
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 26/05/2006, O País, p. 13

Sérgio Wesley, que defende chefe do crime organizado em SP, acabou sendo preso por desacato e depois liberado

BRASÍLIA. Uma resposta debochada a uma das muitas provocações dos deputados da CPI do Tráfico de Armas levou o advogado Sérgio Wesley da Cunha a ser preso e algemado por desacato na sessão da comissão ontem. Acusado de ter subornado por R$200 um técnico de som da Câmara para obter gravações secretas da CPI que teriam sido repassadas a chefes da facção criminosa responsável pelos ataques em São Paulo, Wesley recebeu voz de prisão ao reagir a uma provocação do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).

- Você aprendeu bem com a malandragem, hein?

- A gente aprende rápido aqui - respondeu Wesley.

- Tem que prender! - gritou o deputado Alberto Fraga (PFL-DF). - Você merece um par de algemas, você é bandido.

Wesley tentou corrigir-se:

- Eu falei que a gente aprende rápido aqui, no Brasil.

O presidente da CPI, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), suspendeu a sessão para que os deputados pudessem ouvir a gravação. Ao confirmar o diálogo, Torgan determinou à Polícia Legislativa da Câmara que desse voz de prisão a Wesley. Ao ser algemado, o advogado virou-se para fotógrafos e bateu palmas ironicamente:

- É isso o que vocês (os deputados) querem ver? Foi sacanagem, eu só reagi a uma injusta provocação do deputado.

O advogado foi levado à sede da Polícia Legislativa, ficou detido por cerca de duas horas e foi liberado após assinar um termo em que se comprometeu a se apresentar a um juiz federal. Ele foi dispensado de pagar a fiança de R$300 e responderá a processo por desacato a funcionário público, cuja pena é de seis meses a dois anos de prisão.

Wesley participava de uma acareação com uma advogada do chefe da facção criminosa, Maria Cristina Rachado, e Arthur Vinícius Silva, técnico que confessou ter recebido R$200 para fazer cópia de áudio da sessão secreta da CPI em que delegados de São Paulo revelaram o plano de transferir chefes da facção do estado para presídios de segurança máxima.

Antes de ser preso, Wesley se recusou a responder a perguntas, invocando o direito de não produzir provas contra si. Mostrava irritação com as provocações dos deputados e previu o que aconteceria depois:

- Chega! Já fui achincalhado, exposto, enxovalhado. Não vou mais falar. Não vou dar motivos para que os senhores me prendam por desacato.

Acareação com muitas contradições

Comissão está convencida da compra de depoimentos de delegados

BRASÍLIA. A acareação entre os advogados e o técnico de som da Câmara deixou os deputados convencidos de que os advogados atuaram em conjunto e compraram a gravação do depoimento dos delegados paulistas após pagarem propina. Sob proteção de policiais federais e usando um colete à prova de balas, Arthur Vinícius disse que os advogados combinaram de dividir o custo do suborno.

- Ela (Maria Cristina) disse para ele (Wesley): "Doutor, o dinheiro é para rachar. O combinado a gente divide depois" - contou Arthur.

Wesley teria prometido "um café" a técnico de som

O técnico de som disse ainda que foi abordado por Wesley ainda na Câmara, e que este teria lhe prometido "um café". Mas afirmou que quem pagou os R$200 foi Maria Cristina, já num shopping de Brasília, dentro da loja onde foram feitas as cópias:

- Quatro notas de R$50. Ela botou dentro do bolso do meu paletó e disse: "Não abre agora para não dar na cara".

Vinícius também desmentiu a versão dos advogados de que eles não sabiam de que comprar a gravação era ilegal.

- Eles não teriam me oferecido dinheiro se não fosse ilegal, não são tão leigos assim. Eu expliquei que quando é público pode pedir (a gravação), mas quando é reservado, não.

Confusa, Maria Cristina voltou a cair em contradições, derrubando a própria versão de que não pagou propina, mas apenas R$18,50 pelas cópias.

- O dinheiro (os R$200) ele não quis pegar lá dentro (da loja de fotografia).

Depois, chorou ao acusar Vinícius de mentir:

- Você está querendo me expor ao ridículo, quer acabar com a minha carreira. Você mente. Olha para mim quando fala. Olha no meu olho.

- A senhora é que está mentindo. A senhora tem 18 anos de profissão, eu tenho 27 anos de idade e sou mais esperto?

Após a acareação, Moroni Torgan afirmou que os advogados serão denunciados pela CPI por corrupção ativa e formação de quadrilha.

- Vocês dois funcionaram como pombo-correio. São do braço jurídico do crime.

CORPO A CORPO - SÉRGIO WESLEY

'É a tradução do pensamento nacional'

Poucas horas após ser algemado na CPI, o advogado Sérgio Wesley da Cunha não demonstrou estar arrependido de ter dito a frase que o levou a receber voz de prisão.

O que o senhor quis dizer com "A gente aprende rápido aqui"?

SÉRGIO WESLEY DA CUNHA: O que disse é a tradução do pensamento nacional sobre a atual legislatura do Congresso. Ontem a Câmara absolveu um deputado (Vadão Gomes, PP-SP) que recebeu R$3 milhões de caixa dois e hoje eu sou preso como um espetáculo. Só porque reagi a uma provocação injusta.

O senhor acha que foi induzido à afirmação?

WESLEY: Sim, isso se chama retorsão, está no artigo 140 do Código Penal. O que eu fiz foi responder a uma provocação. Fui chamado de bandido, de ladrão, e ninguém falou que houve abuso de autoridade. Tenho certeza de que muita gente está do meu lado.

Está dizendo que sua prisão foi arbitrária?

WESLEY: Tinham que crucificar alguém da OAB porque querem provar a tese de que os advogados são culpados por tudo. Todos sabem que os celulares entram nos presídios não pelos advogados.

O que pretende fazer?

WESLEY: Não sei. Agora, minha vida acabou. Hoje minha filha de 8 anos fica em casa recortando as notícias em que apareço. Os amigos dela olham para ela e dizem: "Olha a filha do advogado do crime".

'A gente aprende rápido aqui'

O diálogo que levou à decretação da prisão de Sérgio Wesley da Cunha:

SÉRGIO WESLEY DA CUNHA: "Vou permanecer calado. É um direito constitucional que me assiste, Excelência."

ARNALDO FARIA DE SÁ: "Tem um ditado que diz que quem cala consente. Então você é culpado."

WESLEY: "Eu vejo vários ditados na mídia também."

FARIA DE SÁ: "Qual outro ditado?"

WESLEY "Não vou declinar aqui. Não vou levar para o lado pessoal. Não vou dar motivo para os senhores me prenderem por desacato."

FARIA DE SÁ: "Não, você não vai ser preso por desacato. Você não está como testemunha. O senhor pode ficar tranqüilo. Ninguém vai te prender aqui não. Você é advogado, sabe disso, porque nós não o estamos ouvindo como testemunha. Você está como indiciado."

WESLEY: (...) "Olha, Excelência, vou permanecer calado."

FARIA DE SÁ: "Quando eu disse que quem cala consente é porque você também tinha dito aqui, na reunião passada, que não tinha tido nenhum contato com o detento Marcola. E o deputado Fraga desmentiu você. Por que você falou que não tinha e depois teve que admitir que tinha estado com Marcola?"

WESLEY: "Quero garantir meu direito de permanecer calado."

FARIA DE SÁ: "Você aprendeu bem com a malandragem."

WESLEY: "A gente aprende rápido aqui."

FARIA DE SÁ: "Malandragem lá que se aprende."

ALBERTO FRAGA: "Senhor presidente, ele falou 'aqui'".

WESLEY: "Não, não."

FRAGA: "Você falou 'aqui'".

WESLEY: "Não quis dizer isso."

Quem são os parlamentares que estão à frente da CPI do Tráfico de Armas:

MORONI TORGAN (PFL-CE): O presidente da CPI que ontem deu voz de prisão ao advogado Sérgio Wesley da Cunha é delegado da Polícia Federal. O deputado ganhou notoriedade na legislatura passada quando foi relator da CPI do Narcotráfico. Ficou conhecido pelo tratamento duro dado aos depoentes e investigados pela comissão.

PAULO PIMENTA (PT-RS): Relator da CPI do Tráfico de Armas, Pimenta foi também vice-presidente da CPI mista da Compra de Votos, mas acabou deixando o cargo depois de um episódio que provocou inclusive uma representação na comissão de sindicância da Câmara contra ele. Pimenta foi flagrado num encontro na garagem do Senado com o empresário Marcos Valério, com quem teria obtido uma lista sobre supostas doações de campanha de políticos do PSDB. Ele confirmou o encontro com Valério mas negou que se tratava de articulação escusa.

ARNALDO FARIA DE SÁ (PTB-SP): O deputado paulista, conhecido defensor dos interesses dos aposentados, foi o protagonista ontem do bate-boca que resultou na prisão do advogado. Faria de Sá marcou a sua atuação na CPI dos Correios pelas perguntas ríspidas e pelas interferências para saber quem eram os advogados dos depoentes que iam à comissão prestar esclarecimento.

LAURA CARNEIRO (PFL-RJ): A deputada fluminense também teve sua atuação na legislatura passada marcada pela sua participação na CPI do Narcotráfico. Foi uma das parlamentares citadas no primeiro relatório encaminhado pela Polícia Federal à Justiça por ter tido o seu nome citado nas escutas telefônicas que deram origem à Operação Sanguessuga, que desmontou um esquema que envolvia parlamentares, funcionários do Ministério da Saúde e empresários na venda superfaturada de ambulâncias para prefeituras. Ela já foi acusada por seu ex-marido Luiz Etério Teixeira Ventura de ter relação com fraudes no INSS fluminense. Há um inquérito no Supremo Tribunal Federal para apurar o assunto.

ALBERTO FRAGA (PFL-DF): Coronel da Polícia Militar do Distrito Federal, o deputado que ontem cobrava do advogado preso respeito aos parlamentares tem fama de linha dura. Ele foi o coordenador da frente contra o desarmamento, vitoriosa no referendo no ano passado.