Título: CRUZADAS, NOVA ANTIGA BANDEIRA DO VATICANO
Autor: Vera Gonçalves de Araújo
Fonte: O Globo, 16/04/2006, O Mundo, p. 34

Igreja de Bento XVI ameaça gerar polêmica com muçulmanos ao lançar campanha para reabilitar fato histórico

ROMA. O fundamentalismo islâmico foi um dos temas em pauta no debate dos cardeais reunidos no Consistório ¿ o Senado da Igreja Católica ¿ convocado recentemente e concluído pelo Papa Bento XVI. Uma semana antes da cúpula dos cardeais, a católica Universidade Européia de Roma reuniu historiadores e teólogos decididos a reabilitar o bom nome e a santidade dos cruzados convocados por papas e reis da Idade Média para retomar a Jerusalém ocupada pelos muçulmanos.

Afirmar que as Cruzadas para a reconquista da Terra Santa entre 1095 e 1271 tinham objetivos nobres e santos pode acirrar ainda mais a tensão já alta entre cristãos e muçulmanos.

As expedições militares para expulsar as tropas islâmicas das terras onde nasceu e viveu Jesus são vistas pelos muçulmanos como os primeiros atos de violência e agressão ocidental contra o mundo árabe. Ainda hoje, os homens de Bin Laden falam de jihad (guerra santa) contra os ¿cruzados cristãos.¿

Bento XVI lançou diálogo com muçulmanos e judeus

Para o Vaticano, o assunto parecia ter sido arquivado definitivamente pelo Papa João Paulo II durante as celebrações do Ano Santo de 2000, quando pediu oficialmente desculpas aos muçulmanos pelas Cruzadas. A guerra declarada pelo Papa Urbano II em 1095 seria um dos erros da Igreja, juntamente com o tribunal da Inquisição e as perseguições contra os judeus.

Os conservadores vaticanos não gostaram da iniciativa do Papa: entre eles o cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI.

Depois de eleito, há um ano, o novo Papa lançou um apelo ao diálogo com muçulmanos e judeus. A Santa Sé está preparando com grande esmero a visita papal à Turquia, em novembro.

A conferência sobre ¿Cruzadas: entre mito e realidade¿ parece contradizer os esforços de Bento XVI por uma convivência pacífica entre as grandes religiões. O historiador Roberto De Mattei, que coordenou o debate, definiu as Cruzadas como ¿uma resposta à invasão muçulmana de terras cristãs e à devastação muçulmana da Terra Santa¿.

A reabertura da discussão sobre as guerras santas cristãs foi apoiada por Jonathan Riley-Smith, professor de história eclesiástica em Cambridge e considerado o maior especialista em Cruzadas vivo, que criticou implicitamente João Paulo II, declarando que quem pediu perdão pelas Cruzadas ¿não conhecia a História.¿

O professor criticou também o filme ¿Cruzada¿, do britânico Ridley Scott. O filme, segundo o professor, ¿é historicamente inexato. Representa os muçulmanos como civilizados, contra os bárbaros cruzados¿. E, ainda segundo ele, o filme alimenta o fundamentalismo islâmico, propagandeando ¿a versão da história de Osama bin Laden¿.

O escritor americano Robert Spencer, autor do livro ¿A Politically Incorrect Guide to Islam¿ (Um guia politicamente incorreto do Islã), contestou a visão das Cruzadas como um ataque injusto da Europa contra o mundo islâmico. Alguns dos participantes da conferência chegaram a definir os cruzados como mártires cristãos e as Cruzadas como um ato de amor.

Difícil imaginar que o Papa Bento XVI possa usar esse tipo de argumento na sua próxima viagem à Turquia. Um dos últimos e verdadeiros mártires cristãos foi o sacerdote italiano Andrea Santoro, assassinado em fevereiro na cidade turca de Trebizonda, uma vítima do ódio religioso.