Título: Assinatura que vale ouro
Autor: Luciana Rodrigues, Mirelle de França e Carlos Orle
Fonte: O Globo, 26/03/2006, Economia, p. 33

Tarifa subiu 174,61% entre 1998 e 2005, mais do que o dobro da inflação

Nunca foi tão fácil e barato instalar um telefone em casa. São 50,5 milhões de linhas em todo o país e o serviço está presente em todas as localidades com ao menos 300 habitantes. Mas também nunca foi tão caro manter a linha funcionando. Oito anos após a privatização do setor, o preço da assinatura básica é hoje o maior obstáculo para os brasileiros desfrutarem da comodidade de ter um telefone em casa. Cálculos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostram que o valor da assinatura subiu, em média, 174,61% entre 1998 e 2005, mais de duas vezes a inflação do período, de 76,75%.

Os contratos de concessão fixam um índice de correção para a cesta básica de serviços de telefonia fixa, mas permitem o chamado fator de excursão: alguns itens podem ser elevados acima do reajuste médio, desde que haja uma compensação em outros serviços que, assim, subam menos. Não por acaso, as operadoras usaram esse mecanismo justamente nas assinaturas. Os preços médios dos serviços de telefonia (que incluíam ainda habilitação e pulso) subiram menos: 117,10% entre 1998 e 2005.

Menos da metade dos lares tem linha

Segundo especialistas, como não há concorrência na telefonia local, a estratégia das empresas foi garantir uma alta maior nas assinaturas, pois a receita com esse serviço é certa. O consumo de pulsos, por sua vez, varia a cada mês. Para a advogada Flávia Lefèvre, que desde fevereiro é a representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), essa prática representa um subsídio às avessas:

¿ Enquanto a assinatura sobe muito, as tarifas de longa distância, serviço no qual há concorrência, têm altas menores. O pobre está subsidiando o rico, que consome mais pulsos e faz mais interurbanos.

O Idec já obteve uma vitória na primeira instância da Justiça paulista contra a prática do fator de excursão. A Telefônica ¿ operadora que atua no Estado de São Paulo ¿ recorreu. Mas, desde 2004, seguindo orientação da Anatel, as principais operadoras do país fazem reajustes lineares, ou seja, aumentam na mesma proporção assinatura, pulsos e habilitação. De qualquer maneira, o preço da assinatura dobrou nos últimos anos: saiu de menos de R$20 em 2001 para cerca de R$40 agora.

Para Eunice Lauro da Silva, que mora em Japeri e trabalha como doméstica no Rio, o custo da assinatura foi decisivo. Eunice diz que o telefone é uma facilidade que permite que ela seja encontrada por seus chefes a qualquer momento. Mas Eunice só usa celular pré-pago. Desistiu da linha fixa há dois anos.

¿ Aqui em casa só eu trabalho. Fica pesado pagar telefone ¿ explica a doméstica, que mora com a filha e dois netos e recebe R$420 por mês.

Os celulares pré-pagos se tornaram a alternativa para os consumidores de baixa renda. Hoje, o telefone fixo está presente em menos da metade (49,6%) dos lares brasileiros. Em 2002, segundo o IBGE, o percentual era maior: 52,9%. Por outro lado, os celulares, presentes em 8,8% dos domicílios em 2002, em 2004 (últimos dados disponíveis) estavam em 16,5% dos lares. Mas nem sempre essa é a solução para quem precisa de telefone: como mostrou reportagem do GLOBO no domingo passado, em 2.443 municípios do Brasil não há cobertura de celular.

Os especialistas acreditam, porém, que daqui para a frente a tendência é de um alívio no preço da assinatura. Para o gerente-geral de Qualidade da Superintendência de Serviços Públicos da Anatel, Gilberto Alves, a exemplo do que ocorreu em 2004 e 2005, também este ano os reajustes deverão ser lineares:

¿ Com a renegociação dos contratos de concessão (ocorrida em 2005), esse jogo ficou mais complexo. A habilitação saiu da cesta, que passou a ser composta apenas pela assinatura e pelo minuto. Se as empresas carregarem na assinatura, terão de aliviar no minuto e vice-versa.

Em Vitória, preço não é problema

O presidente da Abrafix (associação que reúne empresas de telefonia fixa), José Fernandes Pauletti, também acredita nessa tendência. Ele explica que, nos últimos anos, os reajustes maiores da assinatura ocorreram para corrigir uma distorção do passado. Até a privatização, segundo ele, as tarifas para longa distância e de habilitação eram elevadas para subsidiar a assinatura, item que pesava mais na inflação. Com o fim do monopólio estatal, diz ele, foi preciso ajustar os preços da assinatura para viabilizar o modelo de privatização:

¿ As empresas cumpriram a legislação e aplicaram-na de acordo com suas estratégias. O custo para prestar o serviço é muito alto.

O gerente da Anatel lembra que, com a renegociação dos contratos em 2005, as tarifas passarão a ser corrigidas pelo Índice de Serviços de Telecomunicações (IST) e não mais pelo IGP-DI. Além disso, houve uma alteração no fator de excursão. Antes, as operadoras podiam fazer um reajuste até 9% maior do que a média em alguns itens. Agora, o teto caiu para 5%. Ainda assim, as entidades de defesa do consumidor pretendem questionar essa cláusula na Justiça:

¿ O Idec já obteve uma vitória referente aos contratos anteriores. Ter reduzido o percentual nos novos contratos não é suficiente ¿ diz Daniela Trettel, advogada do Idec.

Apesar da forte alta nos preços nos últimos anos, alguns consumidores conseguem pagar mais de uma assinatura. Para Rosa Maria Penedo Mafra, falar ao telefone não é problema. Ela tem três linhas fixas em seu apartamento em Vitória.

¿ Faço muitos interurbanos, falo constantemente com amigos nos Estados Unidos e no Rio. Mas não sou de ficar muito tempo no telefone, prefiro falar pouco e muitas vezes ¿ conta ela, que, é claro, também tem celular.

Vitória é a capital do país com maior teledensidade: são 115,78 acessos de telefonia fixa para cada cem habitantes, ou seja, mais de uma linha por morador.

PAÍS TEM 10,5 MILHÕES DE LINHAS OCIOSAS, na página 34