Título: ATÉ SEGUNDA ORDEM, LULA DECIDE: PALOCCI FICA
Autor: Regina Alvarez e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 19/03/2006, O País, p. 8

Ministro fica em posição desconfortável, mas presidente age com pragmatismo e mantém seu principal auxiliar

BRASÍLIA. As revelações do caseiro Francenildo dos Santos Costa sobre as visitas do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, à mansão alugada por ex-assessores da prefeitura de Ribeirão Preto deixaram o ministro em uma posição desconfortável junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aos colegas da Esplanada e à sua própria equipe. Mas o presidente agiu com pragmatismo, defendeu Palocci e recomendou aos ministros que façam o mesmo. Mesmo fragilizado, Palocci, vitorioso na condução da política econômica, deve permanecer no cargo, a não ser que surjam fatos novos.

Num primeiro momento, Lula ficou contrariado com as revelações do caseiro e comentou com assessores que tiraria Palocci do governo se o ministro não precisasse da imunidade que o cargo lhe garante. Se deixar o ministério, Palocci pode ser processado e até preso por iniciativa do Ministério Público, que investiga denúncias de corrupção na prefeitura de Ribeirão Preto durante a sua gestão.

¿ Não há acusação de cunho político-administrativo. Não tem ninguém falando que o Palocci fez alguma coisa errada no governo ¿ diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, integrante da tropa de choque escalada para defender Palocci.

Revelações afetam vida pessoal do ministro

As revelações do caseiro avançam em um terreno delicado, que é a vida pessoal do ministro da Fazenda. Francenildo sustenta que Palocci freqüentava a mansão alugada pelo ex-assessor Vladimir Poleto para encontros com ¿uma menina¿ e que ele teria brigado com Rogério Buratti, outro ex-assessor da prefeitura de Ribeirão Preto, ¿por causa de mulher¿. A mansão era supostamente usada para lobby e festas promovidas pelos integrantes da República de Ribeirão Preto.

A semana terminou em Brasília com a sensação entre integrantes do governo e do PT que Lula já definiu: se a permanência de Palocci no cargo ficar muito cara para o seu governo, ele terá que descartar o amigo. Mas não é o que pretende no momento. Existe a convicção no governo de que Palocci freqüentou festas na mansão da República de Ribeirão. Mas Lula tem ponderado, nos bastidores, que essa é uma questão pessoal que não deve ser confundida com as funções do ministro.

O mau humor inicial de Lula com as novas revelações envolvendo Palocci evoluiu para uma postura de defesa do ministro e ataques à oposição. Um auxiliar direto de Lula disse ao GLOBO: ¿Temos que nos preparar para a guerra, porque a oposição não vai dar trégua¿.

Lula fez uma defesa pública e emocionada do amigo Palocci na sexta-feira em evento em Santa Catarina, a partir da avaliação de que, se levadas para o campo pessoal, as revelações do caseiro não ameaçam a permanência do ministro no comando da economia. O comportamento dos mercados, que se mantiveram tranqüilos ao longo da semana, e o bom desempenho de alguns indicadores econômicos só reforçaram essa avaliação.

¿ Lula não vai abrir mão de Palocci. A oposição está fazendo um jogo político para tentar enfraquecer o governo e o presidente não vai entrar nessa ¿ garantiu o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.

Na visão do cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UNB), essa postura do governo baseia-se na conclusão de que as revelações envolvendo a vida pessoal do ministro não trarão problemas para Lula na corrida eleitoral.

¿ O eleitor é pouco sensível a temas como traição e infidelidade. A infidelidade do homem faz parte da cultura brasileira ¿ observa Barreto, lembrando exemplos notórios na política brasileira que não prejudicaram seus protagonistas, como os dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Desânimo contamina assessores do ministro

Mesmo com o governo mobilizado na defesa de Palocci, o clima de desânimo já contamina os quadros técnicos do Ministério da Fazenda. A percepção é de que o ministro perdeu a garra e não quer mais comprar brigas na defesa da política econômica. Semana passada, depois da primeira entrevista do caseiro Francenildo dos Santos sair no jornal ¿O Estado de S.Paulo¿, Palocci passou a despachar apenas no gabinete que mantém no Palácio do Planalto. As reuniões foram transferidas para o Planalto, o que deve acontecer esta semana. Com isso, Palocci evita o assédio da imprensa.

O ministro procura demonstrar tranqüilidade e autocontrole. Determinou aos assessores que mantenham a agenda desta semana, mas está claro que a antiga energia na defesa dos interesses da equipe econômica ficou no passado. O clima está ruim, mas tem que se tocar a vida, é o que se ouve nos gabinetes do Ministério da Fazenda.