Título: Baixo clero no poder
Autor: Maria Lima/Isabel Braga
Fonte: O Globo, 16/02/2005, O País, p. 3

Nem a mais pessimista das avaliações feitas pelos governistas admitia a hipótese de o candidato oficial do PT a presidente da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), perder para o azarão Severino Cavalcanti (PP-PE), porta-voz do baixo clero, como são conhecidos os deputados sem relevância na Casa. Com a vitória por maioria esmagadora, contrariando todas as regras partidárias e produzindo um fato inédito, Severino ganhou com 300 votos, contra 195 de Greenhalgh e impôs ao PT e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a maior derrota política nestes dois anos de governo. Além de Severino, todos os demais integrantes da Mesa Diretora são das regiões Norte e Nordeste e transitam no baixo clero.

Esse resultado contamina a reforma ministerial, que sairia logo depois da eleição na Câmara; esfacela a base do governo no Congresso e poderá, segundo os articuladores políticos, comprometer a unidade dos aliados de Lula em sua campanha à reeleição.

Na busca por culpados, voltou à tona a idéia do PT de retirar da Coordenação Política o ministro Aldo Rebelo. Segundo interlocutores do governo, esse deverá ser um dos primeiros passos para recompor a articulação política.

- É a hora de recolher os feridos e tentar consertar os erros. O governo tem que reformular toda sua base. Tem que recompor todo o seu exército - disse o chefe da Casa Civil, José Dirceu, nas conversas ontem com os aliados.

Sucessão de erros e traições entre os aliados

Subestimando os sinais emitidos pelas bancadas ruralista e de outros partidos da base, insatisfeitos com o tratamento dispensado pelo governo, os articuladores de Greenhalgh davam como certa a eleição do petista até o início do segundo turno da votação, pouco depois das 2h de ontem. No primeiro turno, Greenhalgh ficou em primeiro lugar, com 207 votos, mas não obteve a maioria absoluta entre os deputados presentes (503), o que forçou a realização do segundo turno com o segundo colocado, Severino, que recebeu 124 votos. O candidato avulso do PT, Virgílio Guimarães, teve 117 votos, José Carlos Aleluia (PFL-BA), 53 votos, e Jair Bolsonaro (PFL-BA), 2 votos. Os articuladores da candidatura de Greenhalgh ainda acreditavam que ele venceria com 270 votos.

Nada menos que oito ministros foram escalados para ajudar na vitória de Greehalgh. Mesmo assim, ele teve no segundo turno 12 votos a menos do que recebeu no primeiro.

- A música tema para ilustrar esse momento é aquela de Roberto Carlos que diz: "daqui pra frente tudo será diferente, você vai aprender a ser gente e o seu orgulho não vale nada..." - disse o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) após a votação, numa provocação à alegada arrogância de Greenhalgh.

A eleição de Severino foi o desfecho de uma sucessão de erros e traições entre os aliados, somada à incompetência do PT , que optou por um candidato sem trânsito no Congresso.

- O que deu errado é que somos um bando de manés. Pelo menos 50 traições no primeiro turno levaram a esse resultado. Vai ser muito difícil administrar essa derrota - disse o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Os aliados tentaram minimizar a possibilidade de crise na base governista.

- Não houve traição. O PT escolheu um candidato difícil e ainda por cima se dividiu. Mas não há crise: o Severino não é homem de oposição, mas da base. O governo vai procurá-lo e vamos ajudar o Severino - disse o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ).

Mas a eleição de Severino não foi o único fato inusitado: foram escolhidos para os outros cargos da Mesa candidatos avulsos do Norte e Nordeste, entre eles Inocêncio de Oliveira (PMDB-PE), que abandonou o PFL e com apenas três dias de filiação no PMDB garantiu a Primeira Secretaria.

- Esse governo tripudiou demais do Legislativo e deu no que deu - desabou o líder do PTB, José Múcio (PE).

Ganham força no Congresso, além do baixo clero, as bancadas evangélica e ruralista, já que a maioria dos membros da Comissão de Agricultura é do PP de Severino Cavalcanti. Nos dois discursos feitos durante a votação e na posse, o católico carismático fervoroso ressaltou seu lado religioso, que baliza sua atuação no Congresso.

- Sou um homem de Cristo e não alimento o ódio... - disse Severino.

Ontem de manhã, depois de eleito, Severino adotou um discurso conciliador:

- Eu vou trabalhar de acordo com os interesses do país. Não tenho qualquer posição pré-tomada que possa prejudicar a administração do presidente da República. Não vou criar obstáculos à Presidência da República. Não procurarei criar empecilhos ao meu conterrâneo, que veio de Pernambuco num pau-de-arara. Eu vim de ita (navio).

Ele afirmou que o país viverá nova era:

- O Brasil vive um tempo novo que exige renovação de energias, idéias atualizadas.

Sobre suas promessas, foi firme:

- Mantenho minha promessa de fazer o aumento salarial. Vou fazer isso.

Depois de conversar com Dirceu, contou:

- A conversa com José Dirceu foi amena, vamos trabalhar juntos, não estou aqui para atropelar o presidente da República. Só irei exigir o respeito ao Poder Legislativo.

FIM DA MP232 É UMA PROMESSA DE CAMPANHA , na página 23

OS DEZ ERROS DO GOVERNO FEDERAL DO PT

1) REELEIÇÃO: O PT apostou por muito tempo na aprovação da emenda da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, rejeitada pelos deputados no primeiro semestre de 2004. Os petistas insistiram sem sucesso em outra votação. Assim, seus principais líderes, candidatos naturais, ficaram inibidos de trabalhar suas candidaturas.

2) ESCOLHA DO CANDIDATO: O PT escolheu seu candidato sem ouvir os aliados. Os líderes dos partidos da base governista preferiam que o escolhido fosse o líder do PT, Arlindo Chinaglia (SP). Os aliados também foram excluídos da campanha de Luiz Eduardo Greenhalgh (SP).

3) PROCESSO DE ESCOLHA: O processo de escolha do candidato petista na bancada foi tortuoso. O PT criou um processo em três turnos e quatro candidatos disputariam o segundo turno. Esse turno, porém, não ocorreu porque o Campo Majoritário, tendência que domina o PT, decidiu que Greenhalgh seria o candidato. Virgílio Guimarães (PT-MG), o mais votado no primeiro turno, retirou sua candidatura.

4) VIRGÍLIO GUIMARÃES: O PT permitiu, sem adotar qualquer sanção política, que Virgílio disputasse a eleição como candidato avulso.

5) LULA AUSENTE: O presidente lavou as mãos. No dia da votação, estava no exterior.

6) ESTILO LULA: O presidente não conversa com parlamentares. Ao contrário de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que recebia parlamentares no Planalto e no Alvorada, Lula estabeleceu uma relação fria e arrogante com o Congresso.

7) DIRCEU X ALDO: As trombadas entre o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, criaram problemas de interlocução do governo com o Congresso. Dirceu, que perdera o comando da articulação política, sempre fez questão de mostrar que ainda está na ativa, o que confundiu os aliados.

8) DIVISÃO: A luta interna no governo contribuiu para deslocar aliados para a candidatura de Severino Cavalcanti (PP-PE). Além disso, os ruralistas desconfiavam que Greenhalgh não iria contrariar os ambientalistas petistas.

9) SEVERINO IGNORADO: O governo, os aliados e o PT subestimaram Severino. Somente na reta final, acordaram para o risco de o candidato do baixo clero chegar ao segundo turno.

10) CANDIDATO DA ELITE: O PT lançou um candidato muito acima da média ética da Câmara, o que contribuiu para seu afastamento do baixo clero. Esses políticos sempre lançaram candidatos nas disputas internas mas nunca tiveram espaço ou sonharam com a vitória.

Legenda da foto: SEVERINO COMEMORA com aliados o resultado da eleição: "Vou trabalhar de acordo com os interesses do país. Não tenho posição pré-tomada que possa prejudicar a administração do presidente da República"