Título: Catarata de Itaipu
Autor: Míriam Leitão e Débora Thomé
Fonte: O Globo, 08/02/2005, Panorama Econômico, p. 14

A água jorra do vertedouro de Itaipu com uma força igual a dez Cataratas do Iguaçu. Vista de perto, lembra cenas de um filme catástrofe; vista do outro lado da barragem, forma um poderoso mar de espuma branca e um delicado arco-íris, espetáculo de beleza contrastante. Lá dentro, a maior hidrelétrica do Brasil prepara-se para chegar à plenitude: até outubro serão inauguradas as duas últimas turbinas elevando a potência para 14 mil megawatts. Na relação com as distribuidoras, uma novidade: a energia que ela vende, por exemplo, à Light, é mais barata hoje do que no começo do governo Lula.

A queda do dólar faz com que o preço da energia, em reais, entregue às distribuidoras tenha caído: era R$61 o quilowatt e está agora em R$51. As regras tarifárias brasileiras são tão estranhas que a Light está recebendo agora um aumento quando o custo de sua principal matéria-prima, a energia de Itaipu, está ficando mais barato.

Durante a forte desvalorização cambial de 2002, escrevi várias vezes aqui mostrando o peso imposto sobre as distribuidoras por uma correção do preço de Itaipu pelo dólar, num momento de anomalia cambial. Ele subia por razões extraordinárias: a expectativa da eleição. Mas este custo era jogado sobre as distribuidoras, que tinham que esperar a revisão tarifária para receber a compensação por aquele aumento.

Agora se dá o contrário. A tarifa de Itaipu subiu em dólar. Era US$17,55 o quilowatt e agora é US$19,20. Mas, no começo do governo Lula, quando a paridade ainda estava em R$3,55 por dólar, isso representava R$61. Na semana passada, a energia já estava em R$51 e pode cair mais com a constante queda da moeda americana.

A explicação de Itaipu Binacional é repetida pelo assessor de imprensa de lá, Gilmar Antonio Piolla:

- Pelo contrato que criou a empresa nos anos 70, todas as contas são em dólar. É exigência do Paraguai que não abre mão disso, mas é exigência também das dívidas da empresa, que são todas dolarizadas.

Tudo é grande em Itaipu, inclusive as dívidas. A empresa ainda deve US$19 bilhões e a obra só estará paga daqui a 18 anos. A dívida foi assumida pelo Tesouro e a empresa tem que encaminhar a ele os pagamentos. No ano passado, pagou US$1,5 bilhão, diretamente ao Tesouro. De royalties aos governos do Paraná, municípios e aos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia foram US$306 milhões.

E o que já era grande ficará este ano ainda maior. Com atraso, na verdade. Quem chega ao centro de visitantes e começa pelo tradicional filme de 15 minutos sobre a história da Usina Hidrelétrica, ainda considerada a maior do mundo, é informado de que, em maio de 2004, seriam inauguradas as duas novas turbinas. A inauguração, na verdade, será entre setembro e outubro deste ano. A culpa é da fornecedora das turbinas, o consórcio Siemens-Alstom. Uma delas tinha ido com uma falha, uma rachadura na cruzeta, como me explicam os funcionários. Teve que ser fabricada uma nova, que só no transporte leva 45 dias.

Assim, até o fim do ano, é como se uma hidrelétrica nova, de 1,7 mil megawatts, maior do que muitas que estão em construção, fosse agregada à capacidade brasileira de geração de energia. Aí ela fica completa, porque não há mais espaço para novas turbinas.

Com suas 20 turbinas, Itaipu vai produzir o colosso de 14 milhões de quilowatts. Sua concorrente em gigantismo é a usina de Três Gargantas, na China. A chinesa tem dimensão maior, mas, em termos de produção efetiva de energia, Itaipu continuará na frente.

- Energia hidrelétrica se produz com volume d'água e queda. E a nossa queda é maior, permitindo que Itaipu produza mais energia, apesar de a potência instalada deles ser maior. O nosso rio é mais generoso - explica Piolla.

Generoso, belo e, com uma beleza ainda maior afogada pela represa da Usina. Itaipu, como se sabe, até na agressão à natureza foi exagerada. Pelo tratado assinado entre Brasil e Paraguai, estava escrito que ela faria o aproveitamento dos recursos hídricos no trecho entre o Rio Paraná "desde e inclusive o Salto de Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu".

Sepultar para sempre uma beleza como Sete Quedas é violência que só uma ditadura pode impor. Mas Itaipu tem corrido atrás do prejuízo que causou investindo pesadamente em meio ambiente. Para se ter uma idéia, ela já plantou 20 milhões de árvores. A revitalização do Rio São Francisco, para a transposição, tem a magérrima previsão de produzir 200 mil mudas por ano. Isso é tão pouco que uma ONG de tamanho médio consegue produzir. Se for no ritmo previsto, a transposição conseguirá apenas em um século chegar ao número de árvores plantadas por Itaipu. Mas isso está longe de ser tudo o que a hidrelétrica investe em meio ambiente. A história inteira não cabe aqui no espaço final desta coluna.

Itaipu está instalando este aumento de capacidade, mesmo num momento em que está com excesso de produção e, principalmente, excesso de água. O generoso Rio Paraná ficou ainda mais farto nas últimas semanas de chuvas intensas em todo o Brasil. Está cinco metros acima do nível e isso faz com que a represa tenha que abrir as comportas para se desfazer de 11 mil metros cúbicos por segundo, o que é dez vezes mais que a média de vazão das Cataratas do Iguaçu.

Com o país voltando a crescer no ano passado, o consumo da energia da hidrelétrica cresceu 8%, mas ainda não chegou aos níveis do ano 2000, quando produziu 93,4 milhões de megawatts, ou bilhões de quilowatts: o recorde mundial de produção de energia numa mesma hidrelétrica.