Título: DINHEIRO DO LIXO FOI PARAR NO LIXO
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Fonte: O Globo, 03/02/2005, Rio, p. 13

Quando fixaram as metas do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara ¿ cujas obras completam dez anos hoje ¿ os técnicos destinaram US$16 milhões (R$43,2 milhões) para sanear o problema do lixo. O objetivo era melhorar a coleta e as condições dos aterros, evitando que, diariamente, duas mil toneladas de detritos fossem parar em rios e canais, sendo levadas para as águas da baía. Uma década depois, parte do dinheiro foi parar no lixo.

Cerca de 70% dos recursos para a área de lixo já foram gastos, mas os resultados parecem ter sumido na poeira. Das três usinas de reciclagem e compostagem previstas no programa, duas foram concluídas, mas as sucessivas interrupções nas obras comprometeram as metas do projeto. A terceira sequer saiu do papel.

Em Niterói, o estado deixou a usina do Morro do Céu inacabada. A obra foi concluída pelo município, que agora cobra a conta na Justiça. Depois de idas e vindas, o que era para ser uma solução se transformou num problema. Em 2001, sem espaço para pôr 300 toneladas de lixo/dia, a prefeitura foi autorizada pelo estado a desmontar uma parte da usina (a unidade de peneiramento).

Hoje, o equipamento ¿ parte de uma usina que custou ao estado R$2,6 milhões ¿ está num depósito da Companhia de Limpeza de Niterói (Clin), no bairro de São Lourenço, desmontado, sem proteção contra sol ou chuva e cercado pelo mato.

¿ A usina estava sendo enterrada pelo lixo. Por isso, pedi autorização para desmontá-la. Hoje ela está à disposição do estado ¿ diz Dayse Monassa, secretária de Obras e Serviços Públicos de Niterói e ex-presidente da companhia de limpeza.

Vida útil de aterro reduzida

O resto da usina pode ter o mesmo destino. Devido à demora na construção, a vida útil do aterro foi reduzida em cinco anos. O que era para durar até 2011 não deverá passar de abril de 2006. Esse desperdício de dinheiro público está sendo investigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Em São Gonçalo, a usina de lixo também foi concluída depois de sucessivos atrasos. Por causa disso, o aterro de Itaoca só tem mais dois anos de vida. Hoje, ocupa uma área de manguezal cortada por mananciais.

¿ Daqui a dois anos vamos ver o que fazer com a usina ¿ diz Aécio Nery, subsecretário de Infra-Estrutura e Meio Ambiente de São Gonçalo.

Enquanto isso, o chorume de Itaoca, que deveria estar sendo captado e tratado, como previa o programa, vaza para o Rio Salgueiro, de onde é levado para as águas da baía.

¿ É claro que existe um comprometimento ecológico ¿ admite Nery.

Em Magé, a usina chegou a ser iniciada, mas a obra foi embargada pelo município, que era contra o projeto. Hoje, 230 toneladas de resíduos/dia ¿ incluindo material infecto-contagioso ¿ são jogadas num lixão, sem qualquer controle ambiental, às margens do Rio Inhomirim, que deságua na Praia de Mauá. Na paisagem repleta de urubus, uma cena chocante: crianças trabalhando como catadores no meio do lixo.

¿ Nós encontramos uma situação calamitosa nessa área de lixo ¿ diz o secretário de Turismo e Meio Ambiente de Magé, Carlos Henrique Menezes, que assumiu há um mês.

Ele prometeu cadastrar as famílias de catadores e incentivá-las a assinar um termo de compromisso para afastar as crianças do lixão.

Segundo a diretora da ONG Ecomarapendi, Vera Chevalier, dos 16 municípios do entorno da baía apenas um, Nova Iguaçu, tem aterro sanitário. Os outros, inclusive o Rio, usam lixões ou aterros controlados.

¿ Aterro controlado só é cabível como fase de encerramento do lixão. As prefeituras usam a saída como definitiva ¿ diz a diretora da ONG.

Os problemas, porém, não se resumem aos lixões. A meta do programa ¿ que previa ainda a promoção social dos catadores ¿ era fazer a coleta de 90% da população dos 16 municípios do entorno da baía. Dez anos depois, São Gonçalo, segunda cidade mais populosa do estado, atende a apenas 70% dos moradores.

Ironicamente, os veículos cedidos pelo estado à prefeitura de São Gonçalo, com o objetivo de melhorar a coleta de lixo, ao longo dos últimos dez anos, estão parados na garagem, sem condições de operar.

¿ Quando assumimos em janeiro, encontramos 11 tratores completamente sucateados ¿ diz Nery.

A situação se repete em Magé, onde o serviço de coleta é terceirizado. Numa garagem da prefeitura, apodrecem caçambas de lixo, caminhões basculantes, compactadores, retroescavadeiras e microtratores comprados pelo estado, em 1998, com dinheiro do programa de despoluição.

¿ Do equipamento, restou apenas um trator D-4, que funciona precariamente. O resto está sucateado. Foi a situação que encontramos ¿ diz o secretário de Serviços Públicos de Magé, Renato de Abreu.

Num canto da garagem, o Fiorino LUO 0340, um dos dois furgões cedidos à prefeitura de Magé pelo secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, há apenas um ano e meio, chama a atenção por ser o mais novo e devido à logomarca do programa de despoluição da baía.

No carro, que custou ao estado cerca de R$22 mil, e deveria ser usado na coleta de lixo hospitalar, o odômetro marca apenas 143 quilômetros rodados. Mas já está sem motor.

Em Niterói, a prefeitura conseguiu encontrar uma utilidade para os seis furgões para coleta hospitalar cedidos pelo estado em agosto de 2003:

¿ O estado doou os carros fora das especificações do Conama ¿ diz Dayse. ¿ Para não ficarem parados, estão sendo usados na fiscalização.

O secretário Luiz Paulo Conde argumenta que o programa tem erros de concepção e cita o pouco peso dado ao lixo, com apenas 1,8% dos recursos. Quanto à falta de fiscalização, ele diz que o problema é complexo:

¿ O cidadão tem de ter consciência. A fiscalização do estado é aleatória, feita a partir de denúncias. Quantos fiscais seriam necessários para tudo isso? O importante é disciplinar os municípios para a importância de preservação do meio ambiente.

E o exemplo poderia ser dado pela Cedae: a menos de 50 metros da entrada da estação de tratamento de esgoto de Alegria, no Caju, a maior do programa, existe um vazadouro de lixo, que avança sobre a baía que ela própria tenta limpar ao custo de R$2,8 bilhões.