Título: PENTE-FINO NO RECRUTAMENTO
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Fonte: O Globo, 09/01/2005, RIO, p. 14

Levantamento do Exército revela que 5% dos alistados já se envolveram em crimes

Há duas semanas, a Polícia Civil descobriu na Favela de Acari uma oficina para o conserto de armas pesadas do tráfico. No local, foram encontrados manuais de instrução do Exército e fortes indícios de que um armeiro ligado às Forças Armadas seja o responsável pela manutenção do arsenal dos traficantes. Preocupadas em evitar a infiltração do tráfico em suas fileiras, as Forças Armadas fizeram uma pesquisa inédita com 9.745 jovens que se alistaram na comissão de seleção do bairro de Triagem, e descobriram que mais da metade já experimentou drogas, mesmo que por curiosidade.

Em projeto-piloto em parceria com o governo do estado, o Exército implantou o programa Jovem Legal, que, durante o alistamento militar obrigatório do ano passado, detectou jovens com ligações criminosas. Segundo o presidente da comissão de seleção e coordenador do programa, tenente-coronel do Exército Roberto de Moraes Tavares, cerca de 5% dos alistados tiveram envolvimento em algum crime registrado pela polícia.

O Exército diz que se cerca de cuidados na hora de fazer a pesquisa social dos candidatos ao serviço militar para não discriminá-los. Segundo o assessor de imprensa do Comando Militar do Leste, coronel Fernando Lemos, é importante evitar a infiltração de traficantes, mas é preciso separar o joio do trigo.

¿ O Exército está cada vez mais preocupado com o ingresso de maus elementos na corporação. O problema não é só evitar a entrada de traficantes, mas também preservar o jovem que mora no morro. O soldado e sua família podem sofrer ameaças do tráfico, para cometerem algum delito. Muito traficantes cresceram junto com esses jovens ¿ explicou Lemos.

Tráfico recruta jovens dispensados

A preocupação do coronel é rotina nas favelas. Jovens que estão servindo ou que foram dispensados são cada vez mais assediados pelos traficantes pois estão prontos para integrar as quadrilhas e ainda dar instrução aos demais. Em unidades especiais das Forças Armadas, por exemplo, eles aprendem técnicas de guerrilha urbana, camuflagem, topografia, armamentos, comunicações e ataques noturnos.

Nas quadrilhas, esses soldados ingressam em altos postos. Em alguns casos, são convidados para fazer a segurança pessoal do chefe da ¿boca-de-fumo¿, por salários que chegam a R$5 mil mensais. Uma proposta irrecusável para quem não consegue prosseguir na carreira militar e precisa enfrentar, começando do zero, o mercado de trabalho.

A pesquisa do Jovem Legal foi aplicada aos rapazes que se alistaram de julho a outubro do ano passado por profissionais civis e militares treinados. Durante o processo de seleção, eles passam por exames médicos e psicológicos para saber se estão aptos ao serviço militar. Quando sobram por excesso de contingente ou por apresentarem algum problema físico e mental, são encaminhados para os programas de assistência social ou jurídica do Jovem Legal.

Do total de jovens entrevistados, 8.429 solicitaram algum tipo de serviço como a emissão de carteiras de identidade, certidão de nascimento, CPF, inclusão de seus nomes no balcão de empregos e até encaminhamentos para centros de tratamento antidrogas. Segundo o coordenador do programa, tenente-coronel Roberto Tavares, 30% dos jovens estão fazendo tratamento em clínicas do estado ou no Centro Estadual de Política Antidrogas (Cepad):

¿ A ação conjunta proporciona que esses jovens tenham chances de não cair nas mãos do tráfico. Eles pedem socorro e querem resgatar a cidadania. Há casos de mães que nos pedem ajuda para tirar seus filhos das mãos de traficantes.

A psicóloga Andréa Simões, do Jovem Legal, conta que para as famílias que moram em favelas o serviço é a última chance dos filhos:

¿ As pessoas chegam com a esperança que vão conseguir um emprego para o filho e para eles próprios. As mães chegam com aquela história: ¿Sabe, doutora, a vida à toa não é bom negócio¿. Elas nunca falam abertamente que os filhos estão no tráfico, mas a gente percebe.

Segundo Andréa, havia casos de jovens que nunca tiveram uma certidão de nascimento:

¿ Isso me surpreendeu. É difícil de imaginar que moradores de áreas urbanas nunca tenham tido uma certidão de nascimento. A pessoa não se vê como cidadão ¿ comentou, lembrando ainda que a maioria fez até a terceira série do Ensino Fundamental.

Empresas criam balcão de empregos

O vice-presidente da Associação das Empresas de Botafogo, Marcelo Ferreira, um dos parceiros do Jovem Legal, conta que a iniciativa privada está ajudando a formar um balcão de empregos para os jovens que não foram aproveitados no serviço militar:

¿ São garotos de 17 e 18 anos que, se não forem orientados, vão pelo lado mais fácil. Alguém tem que dar a mão.

Entre os cursos oferecidos pelo programa, estão o de informática, mecânica e o objetivo é capacitá-los dentro da vocação da região da cidade onde moram. A estimativa é que este ano o Jovem Legal atinja 52 mil jovens.