Título: Lembrem-se: o povo não perdoa
Autor: Vitor Buaiz
Fonte: O Globo, 23/12/2004, Opinião, p. 7

Muita gente viu na eleição do deputado João Coser (PT-ES) para prefeito de Vitória, no período 2005/2008, um desagravo à minha gestão ¿ doze anos depois de ter deixado a prefeitura e seis anos após minha saída do governo do Espírito Santo, sempre pelo Partido dos Trabalhadores. De fato, sinto-me co-responsável por essa vitória. Com João Coser o PT reconquistou espaço no poder capixaba. Mas cabe lembrar que tanto João quanto o partido estão muito mais maduros do que em 1992 e 1998. Nem podia ser diferente.

Em 1992, concluí com êxito o mandato como prefeito. Não havia, então, o direito à reeleição. O candidato natural do partido à minha sucessão era o vice-prefeito, Rogério Medeiros, um dos fundadores do PT no estado. Mas as bases escolheram outro, o então deputado estadual João Coser.

A divisão partidária foi fatal. Perdemos a prefeitura.

Mesmo com a imagem afetada pelas seqüelas das prévias, minha administração chegou ao final com 82% de aprovação, graças à implantação do ¿modo petista de governar¿, também praticado em outras capitais ¿ São Paulo (com Luiza Erundina) e Porto Alegre (com Olívio Dutra).

Implantamos em Vitória o orçamento participativo, melhoramos os salários do funcionalismo, investimos em saneamento, educação e saúde. Criamos um novo padrão administrativo. E, em nome da governabilidade, fizemos alianças com o PSDB e outros partidos.

Se a administração foi um sucesso, por que perdemos? Boa pergunta. Na época, foi muito difícil encontrar a resposta para aquele revés. O tempo nos ajudou a compreender a grande lição: o povo não perdoa os dirigentes que não se entendem. Quando o partido que está no poder se divide, ele perde força política e força eleitoral, pois ¿passa¿ esta divisão para a sociedade, que procura então depositar sua confiança em outros representantes. Isso aconteceu em Vitória com o PT em 1992 e se repetiu há pouco com o PSDB.

Desde aquela época, passamos por outros processos de disputa interna de poder. Divididos, perdemos força e capacidade de aglutinação. Tais conflitos repercutiram negativamente quando assumimos o governo do estado, em 1995, no bojo de uma aliança bastante ampla, pois sozinho o PT não tinha condições de chegar ao poder.

É bom lembrar o papel do então deputado estadual João Coser nos primeiros meses do governo petista no Espírito Santo. Por um curto período, ele foi o líder do governo na Assembléia Legislativa, articulando com maturidade a aprovação dos projetos do interesse do Executivo, mesmo sendo a maioria de parlamentares da oposição. Depois a bancada petista passou a me atacar, criticando especialmente o tratamento aos aliados. Talvez seja por isto que a direção nacional do PT avalie, até hoje, que, no governo do Espírito Santo, teríamos chegado ao poder antes da hora...

O fato é que, em conseqüência de pressões do PT capixaba e do PT nacional, fui obrigado a desligar-me do partido em agosto de 1997. Fui acusado de ser um ¿neoliberal¿.

Com o passar do tempo, o PT nacional foi aperfeiçoando seus conceitos de política de alianças, relações partido-governo, o que concorreu de forma marcante para eleger Lula presidente da República. Sabemos que nem todos os petistas seguiram a mesma evolução, mas cabe registrar que, no Espírito Santo, o agora deputado federal João Coser assimilou bem esta nova concepção política elaborada pelo partido para chegar ao poder e garantir a governabilidade. Sua vitória nas urnas fez ressuscitar o PT no estado.

Vale registrar que a disputa eleitoral com o candidato local do PSDB no segundo turno permitiu uma avaliação positiva da pioneira gestão petista em Vitória. Matreiramente o candidato tucano César Colnago escolheu-me como alvo, mas não se referia à nossa gestão municipal mas sim à nossa gestão no governo do estado, que também foi pioneira e serviu como laboratório político para o crescimento do PT, nacionalmente.

Primeiro petista a governar um estado brasileiro, paguei o preço do pioneirismo. Fui eleito no final de 1994, no início da última transição monetária.

O PT foi dos partidos que não deram crédito ao Plano Real. Naquela época, devido à inflação elevada, os governos e as empresas faziam caixa aplicando recursos no mercado financeiro. Pagava-se uma folha salarial com 10 dias de overnight . Poucos compreenderam a profundidade da mudança em curso.

Dada a nossa origem sindical, erramos ao conceder, já em maio de 1995, em pleno início de governo, um reajuste de 25% ao funcionalismo. Originou-se assim um atraso no pagamento da folha. No entanto, com a reformulação da máquina arrecadadora do estado, tínhamos a perspectiva de aumentar significativamente a receita, o que acabou sendo frustrado pela famigerada Lei Kandir. E havia o processo de privatização das estatais em meio à voragem globalizante.

Sob uma perspectiva histórica, fizemos o possível, na época, para governar um estado polarizado por lideranças antagônicas, sem abandonar nossas convicções. Laboratório é isto mesmo: erros e acertos...

Aprendemos e amadurecemos com a experiência rica de sermos governo e estamos vivendo agora um novo momento. A história não se apaga da memória dos que a viveram intensamente. Embora continue fora do PT, sinto-me co-responsável pela vitória petista na capital do Espírito Santo e orgulhoso por ter ajudado a construir este projeto novo de um país mais justo e uma sociedade mais solidária.