Título: ACORDÃO? É NA CPI
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 09/01/2006, O País, p. 4

Há acordos e acordos nessa vida. Acordão partidário para salvar meia dúzia quando 513 estão com a cabeça a prêmio é suicídio coletivo e não há. Já acordinhos circunstanciais no plenário para livrar um ou outro amigo sempre ocorrem. O verdadeiro acordão, porém, está sendo engendrado alguns passos adiante, no tapete azul da CPI dos Correios. É o fim das investigações mês que vem.

O Planalto quer se livrar da CPI desde o dia em que ela nasceu, mas agora o principal interessado em liqüidar logo o assunto é o PSDB. Aparentemente porque, do ponto de vista político, já obteve o que queria: desgastou o PT e o governo, sangrou a popularidade de Lula e levou seus candidatos a um patamar de competitividade na campanha presidencial sequer imaginado um ano atrás. Pode virar a página e passar à campanha. Essa é a explicação fácil.

A verdadeira razão, porém, é que sabem muito bem os tucanos que, a prosseguirem as investigações sobre caixas dois, arrecadadores de campanhas passadas etc, será inevitável bater mais fundo no próprio PSDB. Pelo simples fato de que nem Jesus Cristo teria conseguido fazer uma campanha majoritária no Brasil e sair ileso da acusação de receber recursos não contabilizados e ter caixa dois. O ex-presidente do partido Eduardo Azeredo já teve sua campanha de 1998 relacionada como uma das precursoras do esquema do valerioduto. Mas pode não ficar só nisso.

Afinal, em 2002 o PSDB teve candidato a presidente e elegeu governadores, inclusive nos dois maiores estados do país ¿ não por coincidência, os principais nomes na disputa de 2006. E alvos fáceis de denúncias desse tipo.

A luz já estava amarela há tempos, mas agora acendeu o sinal vermelho no ninho. Estão nas mãos de integrantes da CPI, da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União, na internet e sabe-se lá onde mais, cópias de listas de beneficiários de suposto esquema de caixa eleitoral tucano organizado pelo ex-diretor de Furnas Dimas Toledo.

Para quem acredita em Roberto Jefferson: Dimas, demitido de Furnas no escândalo, foi um dos citados em suas entrevistas à ¿Folha de S. Paulo¿, e tem fama entre políticos de competente arrecadador e organizador de caixas de campanha. Ainda que se prove serem fraudados os papéis que andam circulando por aqui, há horas em que verdades e mentiras costumam andar tão entrelaçadas que fica difícil explicar ao distinto público que focinho de porco não é tomada.

É nesse contexto, portanto, que vem sendo formulado o acordo não-verbalizado e nem explícito de se dar cabo da CPI dos Correios, que tem prazo até abril, já no fim de fevereiro, ainda que informalmente. O relator apresentaria o relatório final sobre as investigações de contratos, movimentação financeira e mensalão, deixando de fora apenas o sub-relatório sobre fundos de pensão, investigação que iria até abril mas, ao que se sabe, sem produzir maiores marolas. A CPI aprova em março a obra de Serraglio e não se fala mais nisso. Vão todos cuidar da vida, ou melhor, das campanhas.

As coisas, porém, podem não ser tão fáceis assim. Sobretudo pelo fator opinião pública. É óbvio que a CPI dos Correios, embora tenha avançado bastante na identificação do esquema de pagamentos ilegais do valerioduto a petistas e aliados, ainda tem léguas a percorrer para dar cabo de sua missão e entregar ao país uma conclusão razoável.

Por exemplo, em relação ao próprio ¿mensalão¿, ou ¿semanão¿, ou qualquer outro nome que venha a ter o vergonhoso pagamento de apoio político. Se houve, como está claro, quais foram os objetivos e as circunstâncias em que a maioria recebeu? Teriam compensado trocas de partido. Até agora, porém, nenhum deputado foi investigado por isso. Aliás, está todo mundo cansado de saber que beneficiários do mesadão que não tiveram seus nomes sequer revelados estão lá votando e decidindo o destino de colegas na Câmara.

A origem dos recursos que abasteceram o valerioduto também não está, absolutamente, comprovada. A multiplicidade de explicações que o relator e outros integrantes da CPI providenciam a cada dia (Visanet, negócios da Caixa com o BMG, fundos de pensão etc) é o maior sinal disso.

Ou seja, não é exatamente por falta de serviço pela frente que muita gente agora está querendo acabar com a CPI dos Correios. O que nos leva a crer que, ao falar em acordão no plenário da Câmara para salvar mandatos de deputados, o relator Osmar Serraglio tenha se esquecido de olhar para o próprio quintal.