Título: AMEAÇA DE FALTA DE ÁLCOOL LEVARÁ GOVERNO A AMPLIAR PACOTE PARA SETOR
Autor: Mônica Tavares/Geralda Doca
Fonte: O Globo, 06/01/2006, Economia, p. 21

Déficit é de quase 1 bilhão de litros até maio. Temor é efeito na inflação

BRASÍLIA. O governo descobriu que pode faltar álcool no mercado até maio porque há um déficit de quase um bilhão de litros do produto para atender a demanda interna. Por isso, o pacote de medidas emergenciais em gestação na Esplanada dos Ministérios deverá estender até o fim do ano a redução da mistura obrigatória de álcool à gasolina, de 25% para 20%, para estimular a formação de estoques estratégicos pelos usineiros. O temor é que haja pressão ainda maior sobre os preços e alteração da trajetória de queda dos juros.

O déficit é a diferença entre os quatro bilhões de litros hoje estocados pelo setor sucroalcooleiro e a previsão de consumo nos próximos quatro meses, que é de 4,8 bilhões de litros, em franca expansão devido aos carros flex fuel. Em 2006, está prevista a entrada em operação de um milhão de veículos desse tipo. Ou seja: ainda que o governo consiga com o pacote encolher parte da demanda por álcool e liberar estoque, pode haver um descasamento com a oferta restante.

- A alteração na mistura vai durar mais tempo porque o setor está com dificuldades para expandir a produção - - disse um técnico envolvido nas negociações.

Governo quer evitar pressão sobre preços e taxa de juros

A grande preocupação é que a falta do produto provoque aumentos maiores dos preços do álcool e da gasolina, ampliando a pressão sobre a inflação e comprometendo a atual trajetória de queda dos juros, o que comprometeria a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006. As últimas atas das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) e relatórios de inflação do Banco Central (BC) apontaram o aumento dos custos dos combustíveis como uma das principais incógnitas para a estabilidade de preços e a trajetória dos juros (Taxa Selic).

Mas o consumidor não deve esperar que a intervenção do governo no setor resulte em redução dos preços da gasolina. Segundo técnicos que estão trabalhando na elaboração do pacote, as medidas devem apenas impedir que os preços nas bombas continuem a subir e que haja desabastecimento do produto.

Para manter os preços de mercado nas distribuidoras dentro da faixa que o governo vê hoje como ponto de equilíbrio do litro do álcool anidro, entre R$1 e R$1,10, e da gasolina, de R$1,50, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) deverá ser reduzida em no máximo três centavos, para R$0,25, o que evitaria também perda de arrecadação. Esta medida complementaria a redução da mistura até o fim deste ano. Mas o corte no tributo deverá durar até maio, quando começa a próxima safra, o que leva a uma queda nos preços.

Ontem, representantes dos ministérios da Agricultura e de Minas e Energia estiveram com o ministro interino da Fazenda, Murilo Portugal. Segundo relatos, a equipe econômica não se opõe a impedir aumentos abusivos do álcool. Mas ressalvou que trata-se de um produto agrícola sujeito a flutuações de preços, reforçando a idéia de que a intervenção será restrita.

Na próxima semana, quando se reunirá com os usineiros, o governo ainda não deverá ter fechado o valor da linha de crédito para ajudar o setor na formação de estoques. Os recursos virão do Tesouro Nacional e dependem de negociações com o relator do Orçamento.

Ministro: consumidor não pode pagar por nervosismo

O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, disse ontem que o governo vai procurar o entendimento com os produtores de álcool:

- Não estamos trabalhando com uma perspectiva de confronto. É diálogo. O nosso papel é administrar o que pudermos do ponto de vista de política de governo para que o consumidor não seja penalizado.

O ministro disse que o governo usará as opções que tiver para garantir que o consumidor não pague a conta "de um nervosismo episódico". Para ele, não há motivo para a elevação do álcool neste momento.

COLABOROU: Mônica Tavares