Título: Amargando a queda
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/12/2005, O GLOBO, p. 2

A prevalecer o que o presidente Lula disse ontem ¿ que só será candidato se for para ganhar ¿ não se deve excluir a possibilidade de ele não concorrer. A declaração foi entendida como mera retórica ¿ inclusive por setores do PT que precisam da candidatura de Lula, mesmo para perder ¿ mas sugere que foi grande o impacto das últimas pesquisas sobre o ânimo eleitoral do presidente.

Todo desconforto de linguagem, ensinava Lacan, reflete um desconforto da alma. As pesquisas revelaram um quadro desanimador para o presidente. Faltam 11 meses para a eleição, tempo teoricamente suficiente para a produção de fatos que propiciem a recuperação de parte do apoio perdido. Teoricamente, porque mesmo dispondo das vantagens de estar no governo, são muito limitados os instrumentos que poderiam ser usados para virar a corrente. Basicamente, o desempenho da economia em 2006 e a gratidão dos beneficiados pelos programas sociais, na base da pirâmide social. Na pesquisa CNI-Ibope, Lula perderia em todos os segmentos sociais, embora menos entre os que ganham até um salário-mínimo. Um estudo elaborado pela Mosaico Economia Política revela que, de 2002 para cá, quando obteve 62% dos votos válidos no segundo turno, Lula perdeu 20 pontos percentuais. A pesquisa apontou uma hipotética vitória de Serra, que teria 48% contra 35% de Lula. Mas o que se deve considerar são os votos válidos. Excluídos os brancos e nulos, Lula teria 42% e Serra 58%.

Os 62% de votos válidos que deram a vitória a Lula em 2002 foram acertadamente previstos por uma pesquisa do Ibope feita na véspera da eleição. Comparando-se a intenção de votos daquele momento nos diversos segmentos sociais com o retrato segmentado captado agora, vê-se que a grande derrocada foi na classe média. Nas faixas que ganham entre dois e cinco e entre cinco e dez salários-mínimos, e que concentram 46% do eleitorado, Lula perdeu entre 26 e 29 pontos percentuais, contra uma perda de 20 pontos na média nacional.

Isso indica que, para enfrentar uma candidatura com chances de vitória, como disse ontem, o desafio do presidente é recuperar o apoio na classe média, diz Alexandre Marinis, da Mosaico. Fala-se muito, sobretudo no interior do governo, que um de seus trunfos será o apoio dos beneficiados pelo Bolsa Família e outros programas sociais. Para Marinis, esta é uma avaliação equivocada. O programa da bolsa atende hoje a 8,7 milhões de famílias e até o fim de 2006 pode alcançar 11,2 milhões, universo inicialmente demarcado de famílias que viveriam na pobreza extrema. Mas daqui para a frente, diz Marinis, os ganhos eleitorais que o presidente poderá auferir com a expansão do Bolsa Família são relativamente pequenos. O programa já atende a 73% das famílias pobres marcadas. Seu impacto já teria se refletido nas últimas pesquisas, impedindo uma queda ainda maior.

O Nordeste é a única região em que Lula, ganharia, segundo a pesquisa CNI-Ibope. Nessa região, que concentra aproximadamente 27% dos eleitores, as intenções de voto em Lula diminuíram apenas sete pontos percentuais (de 58,3% em outubro de 2002 para 51,6% em dezembro de 2005, falando-se em votos válidos). Uma queda bem inferior à de 20 pontos na média nacional. A identidade dos nordestinos com Lula e a forte presença do Bolsa Família na região ajudam a explicar isso. Mas também apontam que há muito mais a ganhar. O programa ali já atende a 77% das famílias pobres. A maior expansão poderá ser nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde o atendimento está na faixa dos 60%, mas essas regiões concentram apenas 13% do eleitorado.

Ontem, Lula prometeu não baixar o nível da campanha, acusando os adversários de adotar métodos rasteiros. Repetiu ainda que não adotará medidas populistas pensando na eleição. Mas o imperativo de reconquistar a classe média ¿ que Helio Jaguaribe já chamou de pêndulo do sistema eleitoral brasileiro ¿ aumenta as chances de adoção de medidas onerosas a médio e curto prazo: um aumento mais generoso para o salário-mínimo, reajuste linear para os servidores ou correção da tabela do Imposto de Renda. Ontem mesmo o governo cedeu às pressões do Congresso e liberou recursos para o reajuste dos servidores da Casa, que Lula havia vetado