Título: A OMISSÃO NO ENSINO PÚBLICO
Autor:
Fonte: O Globo, 29/10/2005, O Globo, p. 1

Aprecariedade do ensino público brasileiro vem se mostrando fonte de grandes discussões e duras críticas ao governo em todos os níveis sociais. No entanto, a adoção de medidas imediatistas e pouco eficazes, como a criação de cotas nas universidades públicas e a preocupação quase exclusiva com as instalações físicas das escolas, revelam a omissão e a carência de debates sobre as verdadeiras causas do problema.

Na rede pública de ensino, estão empregados os melhores profissionais do país, que são estimulados a concorrerem às vagas pela estabilidade e a segurança que só os cargos públicos ainda oferecem. Esta mesma estabilidade, contudo, pode ser uma das causas da deficiência da educação. A insuficiência de professores se mostra muito mais prática que estatística, já que os funcionários públicos não podem ser demitidos pelo não cumprimento de seus deveres e gozam de benefícios que se tornam mais um estímulo à acomodação do que à melhor qualidade do trabalho.

Professores novos, ditos idealistas por se sentirem na obrigação de comparecerem a todas as aulas, são logo levados a fazer parte do ¿sistema¿, vencidos pelo cansaço. Os direitos dos profissionais, como incentivo à especialização, que permite as faltas justificadas pelo estudo, a garantia de licença médica e a estabilidade no emprego, que pouco depende da qualidade real do serviço prestado, acabam por gerar faltas indiscriminadas e nem sempre necessárias ou benéficas sob qualquer perspectiva.

O defeito do sistema que regula o funcionalismo público não está na garantia de benefícios ao trabalhador e sim na falta de estrutura para que sejam adequadamente concedidos. A burocracia para a contratação de novos professores, mesmo que temporários, é enorme, tornando-se praticamente impenetrável quando estatisticamente desnecessários.

Mesmo em renomadas instituições públicas de ensino é freqüente encontrar alunos sem aulas, fato justificado pela especialização de alguns profissionais, problemas de saúde de outros ou simples decisão de não dar aula. Com isso, como não há disponibilidade de professores substitutos, a grade curricular raramente consegue ser cumprida. O problema só tende a se agravar, uma vez que é necessário voltar a matéria para que a turma possa acompanhar, criando uma defasagem cada vez maior.

Professores nivelam por baixo

Se nas instituições que selecionam seus alunos através de concursos extremamente rígidos a situação é bastante insatisfatória, nas escolas abertas as condições de ensino são ainda piores. Se o aluno faz a escola, o ambiente social faz o aluno. Além de todo descaso das autoridades e falta de professores, uma enorme maioria dos estudantes vive em um contexto social extremamente preocupante. Eles possuem pouca ou nenhuma perspectiva em relação aos estudo, já que os modelos de sucesso a que têm acesso são artistas, jogadores de futebol e inclusive os traficantes, tidos como autoridades nas comunidades onde vivem.

Os professores, por não conseguirem penetrar nesse mundo próprio dos alunos mais carentes e redirecionar seu potencial, acabam por nivelar o ensino por baixo. Isto pode ser perfeitamente percebido pelo método de alfabetização funcional adotado por algumas escolas públicas, que considera o uso correto da linguagem dispensável, já que a prioridade é se fazer entender. Com isso, essas escolas visam a alcançar um índice menor de reprovação e evasão escolar, entretanto os alunos, que dificilmente têm o costume de ler, habituam-se ao uso de uma escrita gramaticalmente equivocada, fazendo com que o sucesso da aprendizagem mostre-se apenas estatístico.

Dentro deste contexto, a problemática condição física das escolas públicas vem agravar ainda mais a situação. Em pleno verão carioca, discentes e docentes são obrigados a passar horas em ambientes quentes, sem ventiladores, sentados em cadeiras quebradas e sem ter acesso aos recursos adequados, criando ainda mais estímulos à ausência dos alunos em sala.

O ensino público não pode, deste modo, ser aperfeiçoado apenas pela construção de novas escolas e criação de mecanismos que obriguem a matrícula das crianças no sistema atual de ensino. Essas medidas estão próximas à prática comum atualmente do assistencialismo por parte do governo, que cria restaurantes populares a um real e cotas nas universidades públicas, ganhando votos na permanência dos dramas sociais. Além da mudança prática no sistema que rege o funcionalismo público na área da educação, é necessário que haja conscientização, uma mudança radical na mentalidade de todo o povo brasileiro, que passe a dar prioridade à educação, encarando-a como a principal arma na luta contra os problemas sociais.

REPORTAGEM de Juliana Dias Alves Pinto, 17 anos, do Engenho Novo, no Rio