Título: LIÇÕES FORA DA SALA DE AULA
Autor:
Fonte: O Globo, 29/10/2005, O Globo, p. 1

A experiência de estudantes que mudaram a vida de uma creche fazendo trabalho voluntário

Oque é ser um bom cidadão? Pergunta fácil de responder, mas será que é fácil ser um? Há muitas maneiras de se tornar um bom cidadão, basta querer! Mas, afinal, que maneiras são estas? Respeitar os direitos dos outros? Ter consciência de todos os seus deveres? Saber que se deve ajudar alguém quando necessita? Não praticar atos de violência? É, talvez essas sejam, sim, algumas maneiras de se tornar um bom cidadão. Mas é preciso muito mais do que isso. É preciso atitude, ação!

Não podemos deixar que passe despercebida a situação triste que vive nosso país, com a pobreza aumentando a cada dia, a violência se tornando algo monstruoso e a corrupção sendo discutida como algo de pouca importância perto de tantos outros absurdos ocorridos no Brasil. Mas acredito que cabe a nós, adolescentes, futuros eleitores e profissionais, fazer algo para ajudar a resolver esta situação. Gostaria de dar-lhes um exemplo de cidadania, de solidariedade e de preocupação com o bem-estar do próximo.

Há mais ou menos quatro anos surgiu no Colégio Coração de Maria, de Esteio, no Rio Grande do Sul, onde estudei por dez anos, um grupo de voluntários incentivado pelo programa ¿Parceiros Voluntários¿, que faz um trabalho fantástico com instituições que necessitam de apoio financeiro e principalmente de atenção e carinho aos necessitados. Quando soube deste projeto fui procurar um responsável, pois estava com muita vontade de participar, mas também cheia de dúvidas. Será que posso participar? Onde poderei ajudar? O que faz um voluntário? Será que tenho capacidade para exercer uma atividade de tanta responsabilidade?

Realmente eram muitas dúvidas, mas nada me fazia desistir da idéia de tentar melhorar um pouco a vida de alguém que precisava de mim. Então, após ter esclarecido tudo e estar ciente do que eu deveria fazer e da responsabilidade que teria, resolvi chamar alguns colegas, os quais tinha a certeza de que agiriam com a mesma seriedade, vontade e responsabilidade.

Com o grupo formado, resolvemos então escolher um local onde começaríamos nosso trabalho. A dúvida era grande pois havia muitos lugares que necessitavam de ajuda. Optamos, então, por uma creche mantida pela Igreja Coração de Maria, que cedia um espaço e os responsáveis contribuíam com uma quantia de acordo com a renda. Sabíamos que não seria nada fácil, a creche estava em péssimas condições, mas a nossa vontade de ajudar era maior do que qualquer dificuldade.

Crianças no chão e cozinha vazia

Passamos um ano indo lá, quinzenalmente. Quando chegávamos era muito triste ver as crianças sentadas no chão, pois não tinham cadeiras nem mesas, a cozinha, vazia de alimentos, o chão sempre sujo, a falta de vontade das professoras para fazer um trabalho legal com os alunos e a despreocupação das pessoas que administravam a creche.

Mas, como tudo, havia o lado bom. Era muito gratificante observar quando entrávamos nas salas, o sorriso de cada criança ao perceber que por aquela porta entravam pessoas que queriam o bem delas, desejavam trazer um pouco de alegria, conhecimento e diversão.

Mas como era apenas o primeiro ano deste trabalho, ainda estávamos um pouco perdidos em relação às atividades que poderíamos planejar e ao tempo que deveríamos reservar para o nosso projeto. Infelizmente, naquele ano não conseguimos fazer muitas mudanças, as coisas que tínhamos vontade para melhorar a situação daquelas crianças, mas de uma coisa a gente tinha certeza: não desistiríamos.

Portanto, no ano seguinte reorganizamos o grupo, planejamos as atividades e reservamos um tempo só para nos dedicar ao projeto. A creche permanecia na mesma situação, ou até pior. Mas nesse ano estávamos decididos a fazer alguma mudança que realmente ajudasse aquelas crianças.

Então levávamos brinquedos, atividades, filmes e principalmente nossa alegria e carinho, que na verdade era do que elas mais precisavam. Tentávamos fazer com que aquela tarde não fosse igual a todas as outras na creche, onde ficavam sempre sentados no chão, sem brincar, sem pular, sem fazer o que toda criança tem direito: divertir-se!

E foi com essa persistência que conseguimos fazer com que a cada dia a situação se modificasse. Claro que ainda tínhamos muito trabalho pela frente, mas só de ver a alegria nos rostinhos das crianças, já nos deixava com a consciência mais tranqüila, pois sabíamos que estávamos no caminho certo.

Finalmente e infelizmente, chegou o último ano do nosso projeto. A situação da creche havia mudado um pouco, mas recomeçar no início do ano foi bem complicado, pois enfrentamos muitos problemas, como a saída de alguns membros do grupo, desentendimentos com as funcionárias do lugar e o nosso descontentamento em não ver muitas mudanças durante todo o trabalho com as crianças.

Por várias vezes pensamos em desistir, achávamos que aquela vontade não estava sendo o bastante para ver a creche crescer e melhorar a situação das crianças. Mas pensávamos que se desistíssemos estaríamos jogando no lixo os dois anos de muito esforço, muita dedicação.

Decidimos continuar a realizar nosso trabalho. Mas chegou um ponto em que a situação foi se agravando: ou desistiríamos, ou tentaríamos fazer uma drástica mudança na administração. E foi exatamente o que aconteceu. Após termos comunicado ao município a grave situação que aquela instituição estava passando e a nossa preocupação com as crianças, finalmente conseguimos fazer com que a administração fosse substituída. Aos poucos fomos percebendo a grande mudança na creche. Adquiriram materiais didáticos para os alunos, cadeiras, mesas, brinquedos e tudo que é necessário para o conforto das crianças.

No fim do ano de 2004, a nossa felicidade foi completa, pois quando chegamos para visitar ¿nossas¿ crianças, encontramos uma alegria que nunca havíamos visto naquele lugar. Em vez de sentadas no chão, estavam nas cadeiras, o chão se encontrava limpo como nunca e o prazer de estar ali era ainda maior. Foi quando percebemos que todas as dificuldades que enfrentamos, toda a tristeza que vimos no rosto de cada criança, tudo havia terminado, e o nosso trabalho também, mas saímos gratificados, felizes e prontos para ajudar, em outro lugar, outras pessoas que estavam precisando mais do nosso auxílio.

Concluí, então, que nestes três anos que participei como voluntária foi um grande aprendizado, pois me tornei uma cidadã de verdade, aprendi a ter responsabilidade, a perceber que é necessário reservar um tempo do dia para ajudar alguém que está precisando de nós!

Responsabilidade para não desistir

Aquelas crianças me ensinaram lições que nenhum professor poderia ter me ensinado na escola, pois elas me mostraram o que é sofrimento de verdade, o que é ter esperança e, principalmente, que qualquer um pode ser voluntário, basta acreditar na sua própria capacidade para lutar pelos direitos dos outros, responsabilidade para não desistir no meio do caminho e desejar sempre o bem de todos os cidadãos deste país.

E tenho a certeza de que não parou por aí a minha missão e muito menos a minha vontade de poder passar alegria, conhecimento, carinho a quem precisa, pois pretendo continuar meu trabalho de cidadania aqui no Estado do Rio de Janeiro.

REPORTAGEM de Camila Mantay, 15 anos, da Barra da Tijuca, no Rio