Título: ECONOMISTA DA ONU CRITICA AJUSTE FISCAL E ESTRATÉGIA COMERCIAL DO BRASIL
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 05/10/2005, Economia, p. 24

Kregel diz que investimento em infra-estrutura não pode ser sacrificado

O economista Jan Kregel, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, é um duro crítico de políticas de austeridade fiscal que não façam distinção entre gastos e investimentos. Kregel, que chega ao Rio no fim de semana para um seminário internacional, lamenta que, no Brasil, o ajuste fiscal do governo seja feito às custas de investimentos em infra-estrutura, estratégia que, na sua opinião, pode comprometer o crescimento econômico do país. E defende metas fiscais de longo prazo, para dez a 15 anos.

- Esse é o tempo necessário para os investimentos darem retorno. É preciso sair dessa perspectiva de curto prazo. Países que tentam manter superávits elevados costumam cortar os investimentos. Veja o que aconteceu no Brasil: os investimentos públicos caíram dramaticamente.

Kregel defende que o governo adote contabilidades separadas para os gastos públicos e os investimentos, que seriam incluídos num orçamento à parte e usados como espécie de amortecedor para momentos de baixo dinamismo econômico. Assim, quando a economia perdesse fôlego, o governo ampliaria seus investimentos sem comprometer o esforço fiscal:

- Não dá para considerar da mesma forma as despesas para pagar funcionários e os gastos para construir uma estrada, por exemplo.

Agricultura não deveria ser única prioridade na OMC

Assim como a política fiscal, também a estratégia de negociações comerciais do governo merece ressalvas do especialista. Na sua opinião, o acesso a mercados para produtos agrícolas não deveria ser a prioridade do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os países em desenvolvimento, diz Kregel, devem tentar retomar, na OMC, espaço de ação política para proteger setores industriais intensivos em tecnologia.

- Há uma forte correlação entre crescimento econômico e aumento da produtividade do trabalho. Os países em desenvolvimento devem dar prioridade à indústria baseada em conhecimento e tecnologia, que proporciona os maiores ganhos de produtividade - afirma.

O economista lembra que os países asiáticos priorizaram esse setor industrial e, com isso, deram um salto em suas economias. Mas essa estratégia, na Ásia, foi adotada antes da Rodada Uruguai da OMC, realizada entre 1986 e 1994 e que restringiu a margem de manobra das políticas industriais.

- Não é possível apagar o acordo da Rodada Uruguai. Mas ele previa cláusulas de exceção para que os países apoiassem firmas específicas. Em Doha (atual rodada da OMC), deve-se buscar ampliar essas cláusulas para setores inteiros, dando aos países em desenvolvimento liberdade para proteger sua indústria baseada em conhecimento. É importante brigar por maior espaço político, em vez de se concentrar apenas na agricultura - recomenda.

Kregel lembra que, se a agricultura tem um enorme potencial de ganho a curto prazo, os benefícios de uma redução dos subsídios agrícolas não se perpetuam no tempo:

- A abertura agrícola traz benefícios de uma só vez, ampliando as exportações ao entrar em vigor. Mas não promove crescimento contínuo, simplesmente porque o ganho de produtividade obtido na agricultura é muito menor do que o proporcionado pela indústria baseada em conhecimento.

Seminário vai discutir papel de grandes emergentes

Kregel vem ao Rio participar do segundo seminário da Reggen, cátedra da Unesco sobre economia global e desenvolvimento. O seminário reunirá, entre 8 e 13 de outubro, palestrantes de diferentes países no Hotel Glória (a programação está em www.reggen.org.br).

- Vamos discutir o papel das grandes potências emergentes em apresentar alternativas à globalização - diz Theotonio dos Santos, professor da UFF e coordenador da Reggen.