Título: CRESCIMENTO ECONÔMICO LIMPO
Autor: JOSEPH E. STIGLITZ
Fonte: O Globo, 20/06/2005, Opinião, p. 7

O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, promete que em sua reunião de 6 e 7 de julho, em Gleneagles, Escócia, o G-8 terá como temas principais os problemas coletivos mais importantes e antigos: a pobreza no Terceiro Mundo e o aquecimento global.

Por muito tempo, os dois assuntos pareciam divergentes. O mundo em desenvolvimento, compreensivelmente, não quer sacrificar seu crescimento em favor do bem coletivo, especialmente quando os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, não demonstram a menor vontade de sacrificar um pouco que seja o seu estilo de vida luxuoso.

Encabeçado por Papua Nova-Guiné e Costa Rica, um grupo de países em desenvolvimento, uma nova coalizão da floresta úmida, surgiu com uma proposta inovadora, não apenas se oferecendo para respeitar os limites do efeito estufa mas também mostrando como isso pode ser feito estimulando-se o desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento vêm há tempos fornecendo um bem vital para todos: a preservação do patrimônio ambiental do planeta. Suas florestas úmidas formam um vasto reservatório de biodiversidade, e as florestas são lixeiras de gás carbônico, reduzindo o nível de CO2 na atmosfera.

Trabalhei na Comissão Internacional de Mudança Climática em meados da década de 1990, analisando as provas científicas relativas à magnitude do aumento de emissões de gases de efeito estufa e suas conseqüências econômicas e sociais.

Naquela época, já havia provas avassaladoras de um problema grave que precisava ser encarado, e os dados surgidos desde então - relativos, por exemplo, ao rápido degelo da calota polar- fortaleceram vigorosamente essa conclusão. Cerca de um quarto das emissões de gases de efeito estufa provém de mudanças no uso da terra, sobretudo desmatamento, quantidade comparável às emissões provocadas pela queima, nos EUA, de combustível fóssil (os EUA são o maior contribuinte das emissões de gases de efeito estufa.)

Ao preservar suas florestas úmidas, os países tropicais prestam um serviço valioso a todos, e até agora não receberam compensação. Mas, especialmente depois da assinatura do Protocolo de Kioto, podemos valorizar pelo menos parte desses serviços ambientais: seqüestro de carbono (ou seja, se não preservassem suas florestas, os níveis de concentração de carbono na atmosfera seriam muitíssimo mais altos).

O Protocolo de Kioto criou novos mercados para a compra de créditos de emissão de carbono, como o Esquema Europeu de Comércio de Emissões. Pelos preços atuais do carbono, o valor do seqüestro de carbono pelas florestas tropicais é talvez igual ou superior ao nível de ajuda internacional para os países em desenvolvimento. A rigor, os pobres estão ajudando os ricos.

A biodiversidade e a estabilidade climática são bens públicos planetários. Os benefícios da conservação para o mundo todo excedem em muito o valor da exploração para um país como Papua Nova-Guiné. O governo local pretende agir corretamente, e manter seu capital natural para futuras gerações. Mas autoridades locais acham que atualmente eles não têm escolha.

Cometeu-se um erro grave em Kioto, por diversas razões. Países podem ser compensados por plantarem florestas, mas não por impedirem o desmatamento. Países como Papua-Nova Guiné estariam, portanto, em situação duas vezes melhor se derrubassem suas árvores antigas e replantassem. Isso não faz sentido econômica ou socialmente.

Esse países precisam receber incentivos para preservar suas florestas. (Há, como sempre, questões técnicas a serem resolvidas, relativas a monitoramento e medição, mas isso pode ser facilmente solucionado com tecnologias modernas). Mercados como o europeu poderiam, pelo menos, fornecer créditos pela redução de emissões que desacelere o ritmo do desmatamento.

Sem esse programa, infelizmente, os países em desenvolvimento não têm meios nem incentivos para se comprometerem com a preservação. Há cerca de 2,7 bilhões de pessoas nos mais de 60 países em desenvolvimento que abrigam as florestas tropicais do mundo. Derrubar madeira nobre - mesmo recebendo apenas 5% do preço final em, digamos, Nova York - é para muitos a única forma de sobreviver.

Alguns acham que essas questões só deveriam ser tratadas em 2012, quando, espera-se, entrará em vigor um protocolo revisto. Mas será que podemos esperar? Ao ritmo atual de desmatamento, a contribuição para as concentrações de gases de efeito estufa feitas conjuntamente só por Brasil e Indonésia anulariam quase 80% da redução de emissões conquistada pelo Protocolo de Kioto.

O que impressiona na nova iniciativa sobre florestas úmidas é que ela parte dos próprios países em desenvolvimento; e é uma demonstração da sua criatividade e do seu compromisso social. Pela primeira vez, os países em desenvolvimento parecem dispostos a assumir os compromissos que Europa, Japão e outros países desenvolvidos (exceto EUA) assumiram para evitar um desastre planetário.

A Costa Rica, por exemplo, já mostrou que um sistema de pagamento pela prestação de serviços ambientais (como preservar as florestas naturais) pode funcionar poupando o meio ambiente e estimulando a economia ao mesmo tempo.

Compensar os países em desenvolvimento que prestam esses serviços ambientais seria uma forma de aumentar substancialmente a ajuda - e ao mesmo tempo dar a esses países adequados incentivos de mercado. De um ponto de vista global, o melhor uso dos recursos está em manter as florestas, o que é possível até com derrubadas controladas.

Essa iniciativa deveria unir todos os países. Num mundo dividido - entre ricos e pobres, entre os que protegem o meio ambiente e os que se concentram no crescimento - ela pode ser um fator de união. Os dirigentes do G-8 já deveriam ouvir o chamado.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista. © Project Syndicate.