Título: DO CAOS AO DESESPERO
Autor: Célia Costa, Fernanda Pontes e Natanael Damasceno
Fonte: O Globo, 03/06/2005, Rio, p. 13

Pai invade emergência de hospital e acaba na delegacia. Greve de médicos continua

O caos que se instalou ontem na maioria dos hospitais da rede estadual, depois que os médicos prestadores de serviço deixaram de ir trabalhar, produziu cenas de desespero. Como o que levou um pai a invadir a emergência do Rocha Faria, em Campo Grande, por não conseguir atendimento para o filho com pneumonia. Cosme Machado, de 34 anos, acabou sendo detido e levado para a delegacia. Na porta dos hospitais, era só sofrimento. Zilá Evangelista, de 71 anos, morreu horas depois de ter sido recusada na emergência do Pedro II, em Santa Cruz.

Sem a maioria dos médicos, que se recusam a aderir a cooperativas e por isso ainda não receberam o salário de abril, as unidades estão com os ambulatórios fechados e os setores de emergência só atendem os casos mais graves, determinados por uma triagem precária, improvisada na entrada de cada unidade. E o impasse entre a Secretaria estadual de Saúde e os prestadores de serviço está longe de chegar ao fim: Os profissionais decidiram ontem, em assembléia no Hospital Getúlio Vargas, na Penha, manter a paralisação iniciada ontem por mais uma semana.

Segundo o secretário Gilson Cantarino, as cooperativas são o único modelo aprovado juridicamente para absorver os prestadores de serviço. Ele disse que vai substituir os profissionais que não aderirem às cooperativas. A governadora Rosinha Garotinho informou, por intermédio de sua assessoria, que apenas o secretário de Saúde falará sobre a crise.

Secretário acusa médicos de boicote

Cantarino classificou de boicote o problema ocorrido no Rocha Faria anteontem, quando os oito clínicos escalados para o plantão na emergência não apareceram. Todos estão sem receber pagamento por não terem aderido à cooperativa.

- Uma falta coletiva não poderia ocorrer. O que houve foi um boicote, mas não sei a motivação - disse o secretário. - Vou questionar a questão ética, porque são médicos e lidam com a vida humana.

Por conta das dificuldades, os profissionais de saúde decidiram ontem de manhã aderir à greve nacional do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social (Sindsprev) reivindicando, além de melhores condições de trabalho, uma solução urgente para o problema dos prestadores de serviço. Depois de uma assembléia no Getúlio Vargas, Cosme Martins dos Reis, presidente da associação dos médicos do hospital, disse que os médicos cruzarão os braços até dia 9, quando haverá nova assembléia.

- Queremos um novo concurso público, um plano de cargos e salários e o fim das cooperativas. Se não conseguirmos uma resposta positiva do governo, vamos parar por tempo indeterminado - afirmou.

Membros da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa (Alerj) estiveram nos principais hospitais estaduais da Região Metropolitana. Para o presidente da comissão, deputado Paulo Pinheiro (PT), a greve anunciada pelo funcionários apenas escancara um problema iniciado pela secretaria.

- Quem fez greve é o governo, criando este impasse. O problema é estrutural e a solução é muito mais complexa do que a compra de médicos - disse Pinheiro.

A comissão acredita que, até que o governo apresente uma solução para o caso dos prestadores de serviço, todos os hospitais permanecerão tecnicamente parados.

- No Getúlio Vargas, o número de cirurgias diminuiu drasticamente nos últimos meses, mesmo com as enfermarias lotadas. O Pedro II também nos assustou muito. Dos 255 prestadores, apenas metade está trabalhando. Já no Rocha Faria, que é o principal hospital da Zona Oeste, o problema hoje (ontem) é a falta de neurocirurgiões. Como apenas prestadores de serviço estão escalados para os próximos três plantões, antevejo que ninguém que tenha um trauma de crânio será atendido na Zona Oeste neste fim de semana - previu Pinheiro.

Alheios à discussão entre governo e médicos, pacientes faziam fila na porta das unidades. No Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, houve tumulto na porta da emergência. Cerca de 40 pessoas aguardavam atendimento, mas um cartaz pregado na grade ferro informava que o setor estava fechado. Pacientes que estavam na fila eram orientados a seguir para outras unidades. O quadro se repetiu no Pedro II, em Santa Cruz, e no Getúlio Vargas, na Penha.

Como a falta de atendimento nas emergências acabou sobrecarregando outras unidades de saúde, os pacientes ficaram sem opções. Telma Regina Neves, de 40 anos, não conseguiu ser atendida no Posto de Saúde Mario Vitor Assis Pacheco, em Campo Grande. Cansada de esperar, buscou ajuda na 35ªDP (Campo Grande).

- Estou desde as 6h30m esperando para ser atendida por uma ginecologista, mas o posto de saúde estava superlotado. Às 11h30m, desisti e procurei a polícia - contou.

Idosa morre tentando internação

Mulher de 71 anos com dores no peito foi recusada no Pedro II

Com dores no peito, Zilá Evangelista, de 71 anos, tentou se internar anteontem à noite no Hospital Pedro II. Atendida pelos poucos médicos que havia na unidade, voltou para casa com a recomendação de procurar outro hospital de manhã. Morreu a caminho do mesmo Pedro II, nos braços dos filhos.

A reação do motorista Cosme Machado ao ter o atendimento ao filho doente negado na emergência do Rocha Faria provocou um grande tumulto na porta da unidade ontem de manhã. O bebê, de 4 meses, estava com febre alta e nem assim foi atendido. O pai, desesperado, tentou abrir o portão de ferro na marra. Na confusão, um segurança ficou ferido e Cosme foi levado com toda a família - incluindo o bebê passando mal - para a 35ª DP (Campo Grande), onde o caso foi registrado como lesão corporal.

O pai chegou ao hospital por volta das 7h30m, depois de ter passado a noite em claro ao lado do filho. Acompanhado da mulher Eliane da Silva Medeiros, de 25 anos, e da filha de 7, ele foi avisado de que a emergência estava fechada. Preocupado com o bebê, Cosme pediu ao segurança Cristian dos Santos, de 28 anos, para falar com um pediatra.

- Consegui entrar na emergência e descobri que havia médicos. Voltei para buscar meu filho, mas depois que saí o segurança não me deixou entrar de novo - disse Cosme.

Ao tentar abrir a porta de ferro à força, Cosme acabou prendendo o dedo do segurança na grade.

- Quando vi, estava cercado de seguranças. Mas fiquei tão nervoso que consegui me soltar. Depois acabei sendo colocado dentro do carro da polícia com a minha família - contou.

Ao chegarem à 35ª DP, policiais levaram a mãe e o bebê novamente para o Rocha Faria, onde fizeram exames e diagnosticaram pneumonia. Como não havia médicos suficientes, a família de Cosme precisou mais tarde procurar outro local para internação. Por volta das 17h, o motorista ainda tentou conseguir uma vaga no Hospital municipal Lourenço Jorge, na Barra, mas a unidade estava lotada. A criança, medicada, foi levada de volta para casa.

Cremerj e MP entram com ação na Justiça

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) informou que entrará hoje com uma ação judicial para garantir o direito ao salário dos médicos e também denunciará ao Ministério Público do Trabalho a ilegalidade das cooperativas. Numa outra representação, feita na semana passada pela Comissão de Saúde da Alerj, o MP ajuizou ontem uma ação civil pública solicitando a convocação dos funcionários que fizeram concurso público em 2001 e o fim das cooperativas como única alternativa para os prestadores de serviço.

O deputado Paulo Pinheiro disse que pediu anteontem aos presidentes das sociedades médicas de anestesiologia e ortopedia - duas especialidades que estão em falta no banco de profissionais - uma lista de nomes para entregar ao governo. Ele lamentou a posição do governo estadual:

- Não podemos obrigar os médicos a aceitarem as cooperativas. Sugerimos um contrato de prestação de serviços e a chamada urgente dos concursados. Vamos enviar um relatório técnico ao MP com tudo o que aconteceu durante a semana. Vamos responsabilizar a secretaria por tudo o que acontecer.