Título: Administrar ou dobrar a aposta?
Autor: Joaquim Vieira Ferreira Levy
Fonte: O Globo, 23/05/2005, Opinião, p. 7

Se a economia vai bem, será melhor administrar a demanda ou expandir os negócios? A administração defensiva ajusta os preços à subida da maré na demanda. Aumentar a aposta na economia pode permitir ganhos sem aumento de preços, mas o empresário só vai escolher esta opção se considerra que o risco agregado da economica é aceitável, tornando atrativa a opção de aumentar seu risco individual.

O governo federal sabe disso. Por isso, sem prejuízo dos objetivos sociais, vem fortalecendo o compromisso com a responsabilidade fiscal, a livre iniciativa e o combate à inflação.

A inflação é um sintoma de descompasso entre a oferta e demanda. Bancos centrais tipicamente atuam do lado da demanda. Flexibilizar a oferta - permitindo crescimento com inflação baixa - exige principalmente ações do governo e respostas do setor privado. Independentemente de opiniões individuais sibre o acerto da política monetária, seria um erro pedir do Banco Central que resolvesse problemas que não são da sua alçada e para os quais não dispõe de instrumentos adequados.

Flexibilizar a oferta nem sempre envolve mais gastos públicos, como mostram as ferrovias brasileiras. Elas têm se revitalizado, levando a uma produção recorde de vagões e uma mudança na matriz de transporte, na esteira da expansão da fronteira agrícola, das exportações , e da segurança derivada de decisões regulatórias tomadas desde 2003.

Mas o governo não se exime de investir, com critério. Esta é a chave do Plano Piloto de R$ 3 bilhões/ano em investimentos, desenvolvido com o FMI para servir de modelo a outros países. Sua maior inovação é a ação da Casa Civil, Fazenda e Planejamento com órgãos setoriais para dar um salto de qualidade na seleção, implementação e monitoramento de projetos de investimento.

A responsabilidade fiscal e a qualidade do gasto são importantes também para diminuir o custo do capital produtivo. As empresas brasileiras não podem ficar sufocadas por um rating inadequado da dívida pública. Por isso, o Tesouro Nacional luta para proteger os recursos da União e mostrar como o Brasil conseguiu estar no seleto grupo de países com política fiscal firme, superávit no setor externo, em um setor financeiro que superou sem crises os choques externos. Além da expressiva produção do Congresso em 2003-2004.

O governo está indo além. O peso da receita administrada no PIB, assim como o da despesa discricionária e de pessoal, continua abaixo do pico de 2002. Calçada nesse sucesso, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006 prevê, além do superávit primário de 4,25% do PIB, tetos para a receita administrada e despesas correntes. Ela estabelece, assim, um mapa para o período eleitoral e define um contorno seguro para a economia a seguir.

Há, claro, desafios. A Previdência Social exige o choque de gestão e governança decidido recentemente. Trata-se de mudar processos sedimentados há de 15 anos, e inclui a nova secretaria da receita previdenciária, a melhoria das informações do INSS/Dataprev, e a atuação da Advocacia Geral da União em causas de bilhões de reais, que precisam do apoio da sociedade.

Ultrapassando a pauta fiscal, o governo construiu a Iniciativa para Crescer-2005 para liberar as energias da economia e da sociedade. Segundo o secretário Marcos Lisboa, esse trabalho começado com a Agenda Microeconômica 2004 ajuda a dar oxigênio às empresas, e pode ser mais duradouro que muitos programas discricionários.

Já foram aprovadas a Lei de Recuperação das Empresas, o patrimônio de afetação (que protege o investidor na casa própria), diversas desonerações das empresas, e parte da reforma do Judiciário. Nesta, sobressai a súmula vinculante, que desestimulará novas ações sobre temas já julgados pelo STF, diminuindo os custos de transação da economia e ajudando a desafogar os tribunais. Pelo apoio recebido do Judiciário, essa reforma também é um exemplo de cooperação entre os três poderes.

Algumas das medidas da Iniciativa para Crescer podem não impressionar individualmente, mas o efeito do conjunto será poderoso. Por exemplo, fortalecer a execução de títulos judiciais e extrajudiciais (PL 52-2004 e 4497/2004), adotar o Cadastro Positivo, incluir o sistema financeiro na esfera da defesa da concorrência (PLP 344/2002), e acabar com o monopólio do resseguro darão um choque de concorrência positivo no setor financeiro.

A Iniciativa para Crescer também inclui a lei da pré-empresa, para diminuir a informalidade onde ela é mais concentrada. O governo trabalha, ainda, considerando as sugestões do Sebrae, para diminuir as possíveis travas ao crescimento que a transição do regime do Simples para o do Lucro Presumido ou Real possa gerar atualmente. Para as grandes empresas, o entendimento do papel da regulação continua a amadurecer e deverá se refletir na aprovação da Lei das Agências.

O amadurecimento das instituições e da economia às vezes é obscurecido pelos problemas e surpresas do dia-a-dia. Mas, o rumo é claro e, enquanto se mantiver o princípio de que mais vale diminuir os riscos agregados do que transferi-los para o setor público, as chances de a economia continuar a dar certo são grandes. Por isso, vale a pena dobrar a aposta.